Vasculhando alguns materiais pela rede, acabo encontrando um blog (http://legio-victrix.blogspot.com.br) cujo conteúdo é apresentado como sendo de uma vertente de direita dita “tradicionalista” e “conservadora-revolucionária”, que tem no agitador político russo, Aleksandr Dugin, um de seus principais representantes (assim como o mesmo é, também, representante daqueles barbudinhos bolcheviques da USP, que ano passado o convidaram para dar uma palestra no departamento de Geografia). Uma postagem em especial (http://legio-victrix.blogspot.com.br/2013/05/as-razoes-para-uma-morte-voluntaria.html) me chama a atenção, pois se trata de uma laudatória nota referente ao historiador francês Dominique Venner, que, sendo ligado à tal escola (em geral referida como “extrema-direita” pelo consenso editorial), recentemente teria lhe oferecido sua maior contribuição no campo das idéias ocas: matou-se com um tiro na boca ante o altar da Catedral de Notre-Dame, isso tudo alegadamente em favor dos gloriosos valores tradicionais de sua brava estirpe. A carta de suicídio é essa que se segue, reproduzida diretamente do blog em questão:
“Eu estou sadio em mente e corpo, e estou repleto de amor por minha esposa e filhos. Eu amo a vida e não espero nada senão a perpetuação de minha raça e minha mente. Porém, no entardecer de minha vida, me deparando com imensos perigos para minha pátria francesa e européia, sinto o dever de agir enquanto ainda tenho forças. Creio ser necessário me sacrificar para romper a letargia que nos empesteia. Eu entrego o que resta de vida em mim de modo a protestar e fundar. Eu escolho um local altamente simbólico, a Catedral de Notre Dame de Paris, que eu respeito e admiro: ela foi construída pelo gênio de meus ancestrais no local de cultos ainda mais antigos, reclamando nossas origens imemoriais.
Enquanto muitos homens são escravos de suas vidas, meu gesto corporifica uma ética de vontade. Eu me entrego à morte para despertar consciências adormecidas. Eu me rebelo contra o destino. Eu protesto contra venenos da alma e os desejos de indivíduos invasivos de destruir as âncoras de nossa identidade, incluindo a família, a base íntima de nossa civilização multimilenar. Enquanto eu defendo a identidade de todos os povos em seus lares, eu também me rebelo contra o crime da substituição de nosso povo.
O discurso dominante não pode deixar para trás suas ambigüidades tóxicas, e os europeus devem lidar com as conseqüências. Carecendo de uma religião identitária para nos ancorar, nós partilhamos de uma memória comum que volta até Homero, um repositório de todos os valores nos quais nosso futuro renascimento será fundado uma vez que rompamos com a metafísica do ilimitado, a fonte dolorosa de todos os excessos modernos.
Eu peço desculpas antecipadamente a qualquer um que venha a sofrer com a minha morte, primeiramente e mais importante a minha mulher, meus filhos e meus netos, bem como a meus amigos e seguidores. Mas uma vez, que a dor e o choque se dissipem, eu não duvido que eles compreenderão o significado de meu gesto e transcenderão seu pesar com orgulho. Eu espero que eles resistam juntos. Eles encontrarão em meus escritos recentes intimações e explicações de minhas ações.”
Observando algumas outras postagens desse blog, tive a oportunidade de reforçar ainda mais as impressões que havia retido do debate entre o Aleksandr Dugin e o jornalista Olavo de Carvalho. O que se coloca nessa página como sendo uma autêntica voz da direita é, a bem da verdade, uma tremenda farsa. Trata-se, ao contrário, de um tipo de esquerda extremamente doentia e insana. Para isso levo em conta o critério mais abrangente que se deve utilizar para definir a esquerda em termos metafísicos: o profundo sentimento de rejeição à própria realidade como um todo. Qualquer manifestação dita gnóstica é um exemplo claro disso; e o professor Dugin se encaixa nesse quadro a partir do momento em que ele mesmo se confessa um gnóstico (ou como o próprio diz, um seguidor do ‘caminho da mão esquerda’, ou ‘caminho do vinho’, em contraste com o ‘caminho da mão direita’, ou ‘caminho do leite’, que ele despreza; veja-se suas próprias declarações aqui: http://www.gnosticliberationfront.com/Gnostics.htm).
Este senhor suicida é só mais um gnóstico como o Dugin, compartilhando dos mesmos ideais mórbidos de purificação do espírito por meio da rejeição do corpo e da vida material (em vez de simplesmente admitir a matéria como uma instância inferior, aceitando-a, porém, como fundamental à plenitude da existência). Assim, por trás de seu discurso pretenso conservador, o que se esconde é nada mais que um fundo macabro de gnosticismo cátaro (condenado no período medieval como simples heresia), essencialmente racista e xenófobo, portanto anti-vida e anti-humanidade — pois vida e humanidade pressupõem sempre algum grau de mistura feliz entre os distintos povos da Terra —, por exemplo quando faz menção à sua suposta origem racial em gênios que teriam construído a catedral de Notre-Dame; ou quando diz que sua identidade étnica remonta a um passado imemorial, o qual na verdade é muitas vezes fabricado pela imaginação dessa gente, que se apropria de alguns fatos da história, conferindo-lhes, no entanto, um sentido completamente inverso à realidade (lembrando que nazistas e comunistas são experts nesse assunto, sempre fazendo referência a supostas comunidades primitivas de bon savages que viveriam em plena paz utópica até a chegada de malignos povos invasores).
Não sou católico, nem mesmo cristão, e aliás também não me agrada o cristianismo como sistema doutrinal, mas justamente devido ao seu caráter patológico de abnegação da vida, condensado no símbolo-mor da morte, a cruz (†), mais apropriada para servir de sinal em lápides e catacumbas. Para mim, a civilização ocidental há milênios caminha com certa firmeza, e ainda pode-se dizer que se arrasta com algum ímpeto de resistência em tempos mais recentes, e isso apesar da infecção cristã, não por causa de seus símbolos e mitos caquéticos — esses que de certo modo foram todos convertidos em um sentido aristocrático e guerreiro durante a Idade Média, portanto contrários ao que indicaria aquela figura moribunda do mendigo voluntariamente crucificado (mais simpático aos olhos esquerdistas, que sempre glorificaram a imagem da miséria). De fato, são os valores morais de vitalidade guerreira e aristocrática, ressoando um antigo espírito greco-romano subsistente a meros sistemas simbólicos, e que por séculos revigoraram a mente arquetípica do Ocidente, que devem ser creditados como nossa real força civilizacional e preservados em nossa cultura tanto quanto em nosso âmago metafísico, não essa grosseira camada mitológica-cristã com que ela se revestiu por meras contingências circunstanciais históricas (e que, de qualquer forma, será transmudada noutra coisa em algum momento futuro) — leia-se: a herança maldita de uma Roma decadente, carcomida pela corrupção moral e espiritual.
A atitude patética desse indivíduo (se é que se pode lhe referir com essa honra), Dominique Venner, reflete exatamente o espírito de fraqueza espiritual e baixeza moral contido no cristianismo (de um Jesus também suicida), ou no gnosticismo (que, a propósito, é realmente a verdadeira origem cristã), ou, enfim, para falar de maneira mais direta, no esquerdismo de modo geral. Dessa forma, nada mais apropriado do que se suicidar, e mais ainda, fazê-lo dentro de uma igreja cristã, insinuando até que ali seria um antigo sítio de culto pagão. Eu duvido muito que seja, e estou mais para a opinião de que a catedral de Notre-Dame foi simplesmente erguida sob a direção de mestres franco-maçônicos, não havendo qualquer prova de que o ponto de construção fosse anteriormente usado por druidas ou o que o valha; contudo, ainda que fosse — e daí? Dar cabo à própria vida, se eximindo assim de todos seus meios de ação concreta e consciente, apenas para se tornar símbolo de uma luta, e ainda por cima uma luta ancorada em justificativas mesquinhas, térreas, relativas a raça, nação, sangue, carne, matéria bruta...? Que coisa mais nojenta, bem própria de tipos doentios, como é essa esquerda ambígua, que tenta se apoderar de todos os títulos possíveis para perverte-los, até mesmos os de “direita” e “conservadorismo”, inclusive em construções retóricas esdrúxulas e paradoxais como “conservadorismo revolucionário” e “esquerda do trabalho e direita dos valores”.
Nós bem sabemos que esses revolucionários, coletivistas que são, que renunciam à vida e à própria individualidade, constituem uma alternativa tão saudável ao liberalismo/capitalismo sionista (outra praga que ganhou corpo na modernidade) quanto o marxismo puro e simples. Por isso mesmo é que essa “direita”, que se diz tradicionalista (mas que tradição? gnóstica? ah, sim...), “conservadora-revolucionária”, eurasiana (mais uma variação de nazismo), ou o que seja, mantém estreitos laços com a rede internacional do comunismo russo-chinês, exercendo por isso a faceta misticista/esotérica/ocultista da esquerda, enquanto o marxismo cumpre a função de ser a faceta prosaica/tecnocrática/ateísta — mas, de qualquer modo, sendo ambos essencialmente gnósticos e formando uma espécie de seres baixos que rejeitam esta vida e este mundo em nome de um ideal satânico (pois toda utopia é satânica). A prova dessa associação? Basta reparar que andam sempre de mãos dadas, sendo quase impossível, hoje, identificar nos meios da esquerda se fulano é um ateu materialista cuja crença maior não ultrapassa a imagem de prótons e elétrons ambulantes, ou se é um satanista que presta incondicional reverência a uma entidade obscura, incorporada por sociedades secretas que lutariam em prol da “evolução espiritual” e do “despertar da nova era” (discursos bem bonitinhos para servirem de fachada à edificação de um reino perverso).
Mas sejamos claros e sucintos: o que deve definir a direita, acima de tudo, é o gosto pela vida, o gosto verdadeiro, sem ambigüidades, sem jogos retóricos esquisitos e sem atitudes sinistras de desespero; e o gosto pela clareza solar, olímpica, pela forma reta e cristalina de se expressar e de agir; enfim, a coerência do espírito. Que essa “direita” duguiniana seja então desmascarada e vista somente como mais uma das múltiplas variações do mal esquerdista que assola nosso mundo moderno.