sexta-feira, 28 de junho de 2013

A verdade completa sobre as manifestações


Nota inicial: Eu sei que muitos que participam destas manifestações nacionais estão longe de se considerarem marxistas, ou comunistas, ou mesmo esquerdistas (no sentido mais amplo e genérico em que a maioria se declara a fim de evitar maiores compromissos partidários e ideológicos). É verdade que alguns se dizem absolutamente apartidários, ideologicamente neutros ou anarquistas, e há, em alguns pontos das manifestações, até aqueles que se dizem direitistas, talvez acreditando que no meio da confusão toda possam reverter o sentido essencialmente esquerdista dos protestos — eu, por outro lado, acredito que os direitistas agem melhor se mantendo longe dessas muvucas para não darem força ao movimento que tem em sua origem a óbvia intenção de utilizar a classe média conservadora/liberal para transferir poder de legitimidade ao discurso marxista. Ainda assim estão todos lá, imaginando que lutam em prol de um país mais justo. Dito isso, devo esclarecer que, apesar dessa diversidade toda de segmentos ideológicos presentes no evento, para o efeito retórico do raciocínio que pretendo aqui desenvolver, já inicio o texto partindo do ponto de vista marxista sobre as manifestações, e dessa maneira desejo chegar a uma conclusão que, creio, a muitos soará surpreendente.

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Se os manifestantes “pacíficos” que se aglomeram nas principais avenidas do Brasil são, em sua nítida maioria, aqueles apontados pelos marxistas como a odiosa classe média reacionária, ou seja, os burgueses exploradores da classe proletária que apenas deturpam o sentido real dos protestos arrancando-lhes o caráter verdadeiramente revolucionário, e que, além disso, se aliam à “imprensa direitista”, redirecionando as reivindicações para focos contrários aos interesses da classe oprimida e limitando o poder de contestação do movimento, então concluímos, assim, que, para os marxistas, os únicos que fazem jus às manifestações são aqueles que mantêm a estrita fidelidade partidária de esquerda (os militantes com bandeiras de partidos, tais como PT, PSOL, PCdoB, PSTU, PCO, PPS etc.). Também sabemos que, para o pensamento marxista, os verdadeiros revolucionários são aqueles que, sem medirem esforços, estão empenhados em instaurar um sistema de governo comunista. Dessa forma, o revolucionário marxista só estará satisfeito quando vir concretizado um tipo de governo inédito no Brasil, com outra estrutura de poder, algo talvez mais próximo do que já se encontra implantado em Cuba desde a sangrenta revolução que lá houve em 1959. 

Mas para se chegar a esse novo modelo de governo seriam necessárias, de acordo com as próprias expectativas dos marxistas, ações muito mais ousadas de luta social. Por exemplo, seria preciso passar por cima de leis “opressoras”, demolir sistemas morais “ultrapassados” e, enfim, aceitar até mesmo a guerrilha urbana como forma legítima de pressionar as autoridades e de eliminar os opositores contrários à implementação do novo regime. Precisaria haver, sobretudo, um senso de insatisfação popular tão mais intenso, por força do qual as reivindicações não terminassem na simples questão de tarifas do transporte público, mas continuassem até as últimas e dolorosas conseqüências da revolução, abarcando todos os setores da sociedade. Portanto, como o próprio queridinho de toda esquerda (Che Guevara) diz melhor do que ninguém, seria necessário possuir “o ódio como fator de luta, o ódio intransigente ao inimigo, o ódio que impulsiona além das limitações naturais do ser humano e o converte em uma efetiva, seletiva e fria máquina de matar” (sim, são palavras daquele sujeito de barba e boina que vemos estampado nas camisetas de nossos adolescentes). 

Afinal, é dessa forma que um autêntico esquerdista revolucionário encara o seu grande desafio político, e é por isso que ele se sente tão impelido a queimar ônibus só pra expor seu descontentamento com o sistema de transporte; usar o cidadão comum (pobre ou rico) como refém de chantagens coletivas, assim prejudicando qualquer indivíduo a fim de chamar atenção às suas causas (sempre mais “nobres” do que a vida de qualquer pessoa); agredir qualquer um que se coloque em seu caminho ou se coloque contrário às suas idéias sobre métodos de se fazer política; montar barricadas no meio da rua como um soldado em guerra, embora o “inimigo” no caso seja o próprio sistema que ele deveria estar ajudando a melhorar no dia-a-dia; atacar com todos os meios disponíveis os policiais com o intuito de abrir caminho por avenidas (bloqueadas para garantir a segurança pública) e até por sedes do governo. Ou, pelo menos, é por isso que ele se sente tão confortável assistindo às cenas de destruição da cidade, pensando que os infelizes que depredam e saqueiam as lojas são apenas reflexos de uma classe oprimida que se revolta contra o opressor comércio burguês e toma o que é seu por direito. É assim que um marxista pensa de verdade, e é por isso que ele não condena nem mesmo a violência mais explícita e covarde (ah, sim, só a da PM), porque em sua cabeça não existe a idéia de responsabilidade individual, mas somente a luta de classes em curso na história.

Entretanto, se dissermos que a culpa pela onda de violência gerada nas manifestações é da esquerda, seus principais representantes, ou seja, os estudantes, “intelectuais” e militantes da USP, da UNE, do MPS e dos partidos comunistas em geral, se desviarão dessa responsabilidade tentando, agora, marcar a firme distinção entre os que seriam manifestantes “pacíficos” — ou seja, a reacionária massa burguesa que perambula pelas ruas, e na qual eles se misturam sem dificuldade, já que são todos filhinhos de papai — e os que não passariam de criminosos — que, em sua maioria, são mais pobres e, assim, pela lógica marxista, mais dignos de pertencerem à classe explorada. Um ou outro playboy desajustado está lá “curtindo a onda do pó”, meia dúzia de retardados da classe média está lá aproveitando a ocasião pra descontar sua raiva mal canalizada, e mais meia dúzia de militante marxista está lá cumprindo sua missão de insuflar revoltas populares, convocando todos para a guerra de classes. Seu “exército”,  porém, se constitui de marginais da periferia formados na “escola do rap”, do discurso que mistura puro banditismo com idéias marxistas de luta de classes (vide as idéias de guerrilha urbana de Marighella empurradas pelos Racionais MC's a todos os 'manos' e juvenis da MTV, o mesmo Marighella que também é exaltado em livros que enchem as vitrines de todo Shopping Center luxuoso). Mas não esqueçamos que esses marginais são apenas os frutos podres que envergonham suas famílias, as quais, apesar da baixa renda, na maioria das vezes se compõem de trabalhadores e cumpridores da lei.

A partir da nova perspectiva colocada, se os manifestantes violentos são aqueles identificados, tanto na mídia quanto nas redes sociais, como simples vândalos, saqueadores e até “infiltrados”, logo surge a grande pergunta: Quem, então, representaria a verdadeira esquerda? Os violentos ou os pacíficos? Mais importante ainda: sobre que razão fundamental se apoiaria o sentido mais profundo de todo o movimento? 

Seria essa razão fundamental aquela oferecida pela linha de pensamento marxista, segundo a qual a revolução “não será televisionada”, mas, sim, extremamente subversiva, inflexível, visceral, arrastando tudo num vórtice de terror e caos que só deverá acabar quando o poder total for transferido de uma vez por todas para as mãos do povo, dando cabo a todas as injustiças ainda existentes? Ou seria essa razão aquela conduzida pela classe média engomadinha e responsável, que, afinal de contas, está muito bem representada pelo William Bonner, pelo Datena, pelo Marcelo Rezende, pelo Neymar e por todos aqueles que repetem em coro “sou a favor da manifestação, mas de forma pacífica”, mostrando que seu comprometimento não vai muito além daquela vaga idéia de que “algo precisa ser feito”, “o povo está de olho, cobrando”, “o gigante acordou”, ou seja, sem um discurso concreto ou uma abordagem sociológica e econômica que lhes dêem suporte teórico (como no caso dos marxistas)?

Assim, antes de mais nada, se torna claro que existe uma certa disputa pelo monopólio das razões fundamentais dos protestos, e que a disputa se dá entre diversos setores da sociedade interessados em retirar dessa situação algum proveito político (mesmo que esse proveito fosse inteiramente “do povo para o povo”). Mesmo os “apartidários”, ao conclamarem que o movimento de protesto é, no grosso de sua composição total, constituído por uma camada apartidária de cidadãos brasileiros, eles já estão, evidentemente, tentando monopolizar a razão fundamental das manifestações — ora, se as manifestações são apartidárias, a razão fundamental é o apartidarismo, e isso teria sido determinado pelos que se dizem “apartidários”, e não por outros segmentos políticos que desejam atribuir razões diversas aos protestos; mas aí, os “apartidários” confessam que também buscam, sim, o monopólio das razões fundamentais. De qualquer forma, sabemos que há uma conturbada mistura de correntes ideológicas e partidárias no meio daquela confusa massa humana que grita nas ruas. E, ainda assim, objetivamente falando, algum grupo ou partido deverá ser o maior beneficiário da situação, muito provavelmente por conseguir canalizar toda a diversidade de anseios em uma única frente de representação política (mais pra frente ficará claro por que a idéia de “apartidarismo” é, em si, uma grande estupidez que só favorece a esquerda).

Eu não tenho dúvidas de que, por enquanto, o grupo que se encontra melhor posicionado neste jogo, controlando com destreza a razão fundamental das manifestações são os marxistas (e, conseqüentemente, o próprio PT). Ora bolas, foram eles os principais agentes que deram início a toda revolta! Para se comprovar isso, basta reparar no discurso que se tornou praticamente a linguagem padrão de qualquer manifestante: é a linguagem marxista, que trata da 'luta de classes' como um consenso universal indiscutível, que fala acerca da exploração do povo oprimido por uma malévola elite capitalista, que põe a idéia abstrata de 'autoridade' como a expressão de todo o mal do universo, e que assim demoniza a “classe política”, a “classe militar”, a “classe empresarial”, a “classe midiática”. E, sobretudo, é esse discurso que santifica a “classe do povo”, diluindo as responsabilidades de praticamente todos os indivíduos (os únicos seres reais, de carne e osso) que, assim, nunca têm culpa por nada, que podem sempre se abrigar na desculpa de que “está do lado do povo”, que podem sempre transferir a responsabilidade para alguém “lá de cima”. Mas essas pessoas que gostam de se abrigar sob a capa mágica do “povo” podem ser até mesmo os próprios políticos que, ao entrarem em sintonia com tal discurso (culpando o capitalismo, os banqueiros, os países desenvolvidos, os americanos, e ficando do lado do “povo”), receberão imediatamente uma identificação visceral da massa igualmente ignorante, inútil, malandra, cínica, mesquinha, passional, irresponsável...

Enfim, tudo isso é a idéia marxista de luta de classes sendo imposta para mentes frágeis, sem que se note o absurdo que é reduzir indivíduos concretos a categorias de coletividades abstratas. Essa é a plena vitória dos marxistas!

Enquanto isso, o que mais claramente se nota nos protestos é que, no meio de toda a diversidade de expressões que neles vemos, duas se destacam e, justamente pelo contraste que formam entre si, se tornam tão salientes à percepção geral: a expressão dos manifestantes “pacíficos” e a expressão dos manifestantes violentos.

E assim volto àquela pergunta muito incômoda aos esquerdistas que participam dos protestos: o que representaria a sua verdadeira face? Os rebeldes ideologizados até a espinha que desejam um tremendo levante popular, e assim dão apoio moral inclusive à massa de marginais alienada que está ali tentando saquear uma T.V. de tela plana (mas, pelo menos, argumentam os marxistas, está alimentando a dinâmica da luta de classes)? Ou a verdadeira esquerda seriam os jovens bem vestidos, bem educados, bem alimentados, que jamais desejariam que a “revolução” passasse dos cartazes ingênuos e das procissões pelas avenidas próximas de suas residências?

Respondendo e já mostrando a encrenca embutida nas respostas: 

1 - Se a verdadeira esquerda são os rebeldes violentos, então se admite que as manifestações têm sua razão fundamental, sim, naquilo que os marxistas colocam como a questão mais urgente, que é a tomada de poder por um partido comunista, o qual substituirá os atuais representantes do poder por líderes que teriam em si a expressão do povo, da classe proletária (alguém como um certo fulano octogenário de uma ilha caribenha aí). Mas, nesse caso, a esquerda assume, também, a autoria por toda a onda de violência e caos que vimos devastar, ao longo de vários dias, uma série de cidades brasileiras. Com essa confissão, também, ela perderia imediatamente o apoio maciço da população e da grande mídia (que pra ela não passa de “conservadores reaças”). 

2 - Mas se a verdadeira esquerda são os burgueses reacionários, ou mesmo os cidadãos pobres que mantêm um pensamento conservador (e, dessa forma, para o marxista, se colocam a favor da burguesia na luta de classes), os quais sentem ojeriza a qualquer forma mais radical e violenta de luta política, então a razão fundamental seria, sim, reacionária, hostil ao comunismo e ao regime da classe proletária; logo, hostil ao próprio “povo”, dirão os marxistas. Mas então, por outro lado, essa esquerda admite que ela não poderia sequer estar saindo às ruas pra exprimir indignação contra o atual sistema político, uma vez que esse seria resultado da estrutura vigente de poder, por sua vez sustentada pelo próprio pensamento burguês (ou liberal,  ou social-democrata, ou progressista, ou tudo mais que não tenha a ver com revolução violenta e abrupta). E mais, ela deveria reconhecer que está sendo estúpida e cínica por gerar a ocasião perfeita para tanta revolta e violência desnecessárias, quando somente manifestações bem organizadas e nos momentos oportunos poderiam representar essa expressão pacífica de insatisfação com o atual governo.

Então, resumindo, ou essa esquerda admite que é pacífica e se responsabiliza pela estrutura de poder burguesa e reacionária (dentro do discurso marxista que de repente ela resolveu abraçar), e então perde toda a legitimidade de sua própria causa, que até agora tem sido pressionar as autoridades ameaçando a paz de seus próprios concidadãos reacionários... ou, então, essa esquerda reconhece que busca a violência e o caos como forma legítima de alcançar seus objetivos políticos e, com isso, perde o grande apoio da população que até agora tem feito as passeatas “pacíficas, bonitas e festivas” que a mídia cobre com toda a pompa, conferindo uma aura de santidade moral à esquerda como um todo — aura com a qual, só assim, a esquerda poderia pensar em obter alguma vantagem prática da situação, seja em eleições democráticas, seja mesmo em futuros golpes comunistas (que é o que ela pretende fazer).

Mas então alguém dirá: por que a verdadeira esquerda não pode ser pacífica e, ainda assim, adotar o discurso marxista de luta de classes, ou adotar algum outro discurso semelhante mas que não envolva violência e sim um processo gradual de transformação das estruturas de poder, no qual o povo explorado luta contra a elite exploradora saindo às ruas para protestar? Bem, até pode, mas ocorre que essa esquerda é simplesmente isto que já está implementado na nossa sociedade e na nossa cultura há um bom tempo, ecoando nas vozes da grande maioria de nossos políticos, educadores, jornalistas, artistas, apresentadores, formadores de opinião, escritores, comentaristas, sociólogos, historiadores, professores, palestrantes, biólogos, ecologistas, empresários... e até uma parte dos religiosos! E se tem algo que sintetiza perfeitamente essa esquerda moderada é a própria Rede Globo. E se há algo que não incomoda de forma alguma o governo, a mídia ou quem quer que esteja no poder, é justamente essa esquerda moderada, pacífica, burguesa, liberal, que busca o progresso em pequenas e quase imperceptíveis medidas reformistas.

Pois é evidente que, se agora qualquer governante recuou no reajuste de tarifas do transporte público, ou se qualquer poderoso se sentiu pressionado com os atuais protestos e decidiu fazer discursos bonitinhos e temerários em favor dos manifestantes e prometer “mudanças”, não foi por conta de passeatas tranqüilas formadas por pais de família, por madames, por mauricinhos, por nerds, enfim, pela classe média comportada (seja de direita ou de esquerda moderada). A pressão veio quase que exclusivamente da violência! Será que isso não é óbvio? Quando vemos um manifestante com alguma placa que diz “desculpe pelo transtorno, mas estamos mudando o país”, o transtorno aí subentendido não é o simples protesto pacífico, legalizado, controlado, que não causa problema a  nenhum cidadão e sim à imagem de determinados políticos, mas o transtorno provocado por aqueles mesmos “vândalos” e “infiltrados” que, esses sim, estão colocando o governo como um todo em uma situação complicada perante a opinião pública. 

E os esquerdistas, mesmo aqueles que se dizem “pacíficos”, estão todos tirando proveito dessa violência, se gabando de conquistas que foram todas na base da mais agressiva intimidação, de confrontos com a PM, da depredação geral da cidade! Logo, a conquista só pode ser marxista, pois é a luta de classes que está promovendo essa “justiça” ao pressionar os governantes com tamanha agressividade. É o discurso marxista que está prevalecendo.

O mais importante que se deve perceber aqui é que há um canal muito sutil de cumplicidade entre os “pacíficos” e os violentos (e agora poderão entender por que faço questão de, nesse contexto, utilizar aspas nessa palavra). 

Se a passeata fosse planejada, organizada, combinando-se data e outros detalhes com as autoridades, em espaços públicos (mesmo grandes avenidas) fechadas para esse propósito, como já se faz muitas vezes, então o protesto seria aceito pelo Estado, nada nem ninguém correria o risco de ter sua integridade ameaçada, a mensagem do protesto seria reverberada pela mídia e pelas redes, e tudo ficaria em paz. Mas por que isso não surtiria efeito vantajoso nem teria qualquer utilidade para os marxistas? Porque só a quem interessaria esse tipo de protesto é justamente aquela esquerda moderada e progressista que já está no poder e não tem mais do que reclamar. Aliás, se tem algo de que essa esquerda moderada talvez pudesse reclamar é que o PSDB, a expressão mais acabada de esquerda moderada/progressista, está começando a sumir do mapa.

Mas como a manifestação, na prática, é violenta — e isso porque o desejo dos que deram início a ela é que fosse realmente violenta —, então ela interessa não a uma esquerda moderada, quanto menos à direita... ela interessa, mais do que ninguém, a essa esquerda radical, que busca mudanças abruptas, violentas, extremistas, que deseja ver o circo pegar fogo, que imagina que do caos supremo será erigida uma ordem inteiramente nova ('ordo ab chao' — 'ordem do caos').

Diante dessa situação aparentemente paradoxal, nos resta, na realidade, compreender qual é a real função dos manifestantes violentos e revolucionários que se dirigem às manifestações com o objetivo claro de promover o caos e a violência, e qual é a real função da classe média que comparece em peso nas manifestações, dizendo-se apartidária ou “esquerdista light” ou até conservadora/liberal, apenas com a intenção de “lutar por um país melhor”. Dentro do verdadeiro processo revolucionário elaborado pela elite esquerdista (formada por políticos, grandes empresários e “intelectuais”), os dois tipos de manifestantes têm um papel crucial e complementar para que a realização do objetivo comunista seja possível, e isso é o que tentarei demonstrar a partir de agora.

Se, como dito, os protestos se constituíssem apenas de passeatas pacíficas, o discurso marxista não ganharia força, pois estaria apenas beneficiando a classe burguesa reacionária (nesse caso o maior alvo dos protestos poderia ser a própria esquerda marxista que busca avançar em nosso país, quer dizer, o alvo poderia ser o próprio PT). Mas se os protestos se baseassem tão somente na tentativa de confronto com a polícia e em ataques diretos a prédios do governo, lojas, bens públicos e privados, então jamais eles teriam o apoio da população e da mídia (pois a revolução marxista de luta de classes seria vista completamente desnudada). 

Logo, a camada violenta do protesto serve para legitimar o discurso marxista de luta de classes, impregnando-o na linguagem corrente do senso comum de toda uma geração que passará a crer que o melhor tipo de governo é sempre aquele mais radical, mais anti-conservador, mais “do povo”, mais comunista, e que a guerrilha urbana é, sim, um meio eficiente de se alcançar qualquer meta. A camada pacífica, por sua vez, serve apenas para legitimar a simples existência dos protestos, que então passam a ser transmitidos por todos os meios de comunicação como um movimento pacífico e “apartidário” de toda a sociedade brasileira. E assim, com esse eficaz meio de propaganda, o discurso marxista se mistura ao discurso moderado, chegando até os cidadãos mais conservadores como se fosse um único bloco de idéias inocentes, “do bem”, aceitáveis até para os parâmetros mais reacionários (os jovens, então, são os mais vulneráveis nesse processo).

Um faz o trabalho que o outro não pode fazer. Os violentos têm a mensagem, os pacíficos têm o meio de propagá-la. E se você disser que os pacíficos estão apoiando ou dando cobertura para os radicais, eles irão jurar de pés juntos que nada têm a ver com esses, e até que os condenam com sincera veemência. Mas se você disser que os radicais e violentos venderam seus ideais por se aliarem aos burgueses da Rede Globo, eles também dirão que nada tem a ver com os manifestantes leite-com-pêra, e que agora estão até insatisfeitos com os rumos distorcidos que esses conferiram às manifestações. No fundo, ambos deveriam estar muito contentes com a presença um do outro, pois cada um faz sua parte dentro desse jogo extremamente cínico de encenações esquizofrênicas.

Por isso tudo digo que, se há um desafio para o esquerdista, é este: ao mesmo tempo em que ele deve estimular focos de revolta através do discurso tipicamente marxista de luta de classes, ele deve tomar cuidado para que, tão logo a revolta tome uma forma mais pungente à opinião pública, ela não seja mais associada ao discurso que, no início, o esquerdista utilizou para eclodir todo aquele processo social vulcânico. Falando assim parece até que se trata de um plano maquiavélico dos mais engenhosos; a verdade, porém, é que boa parte desse mecanismo de oscilação entre discursos (no caso, o violento e o pacífico) se dá de forma inconsciente, e a maioria dos próprios esquerdistas sequer nota que transita entre duas maneiras distintas de pensar, de raciocinar, de sentir, de agir. Eu, particularmente, costumo denominar isso de mente fragmentada, um fenômeno psicossocial cujo princípio se assemelha ao da dissociação de personalidade, mas ocorrendo numa outra escala, numa sintonia entre indivíduos e movimentos de massa. E, a propósito, de que outra forma seria possível um regime comunista se não fosse pela disseminação de formas mentais doentias entre a própria sociedade, entre a própria população?

Nesse ponto, é possível observar um dos aspectos mais curiosos do mecanismo de defesa do esquerdista: aquilo que uma mente saudável poderia imaginar que é a grande fraqueza do esquerdista,  na verdade é a própria fortaleza da esquerda como um todo. Aparentemente, a dissociação de personalidade, a alternância constante entre dois discursos antagônicos, a mente fragmentada, tudo isso deveria ser o maior indício de que um sistema moldado por tais fenômenos está condenado a cair nas trevas do pensamento racional. Em última análise, está mesmo condenado a cair, mas enquanto não cai é justamente desses fenômenos de fragmentação mental que esse sistema e esses movimentos revolucionários se alimentam e permanecem, por algum tempo, causando destruição, dor e morte. 

Em termos práticos, a coisa acontece da seguinte forma: você aponta para as contradições do discurso esquerdista, para os paradoxos do movimento esquerdista, esperando que eles sejam percebidos como dissonantes, mas a própria dissonância cria uma barreira que impede que a parte que está em contradição com a outra a enxergue como plena continuidade de um todo fragmentado na qual ambas estão inseridas formando um discurso paradoxal. Assim, não se pode dizer que a esquerda é perigosa e violenta, porque o próprio esquerdista dirá que, na verdade, é só paz e amor, e que só faz aquilo que o Datena também aprova. Nem se pode dizer que a esquerda está representada, no final das contas, pela mídia e pelo governo que sempre atendem a seus apelos e estão do seu lado lucrando juntos, senão ela dirá que tudo isso nada tem a ver com o verdadeiro ímpeto revolucionário de mudança radical e violenta, e sim com mais alguma tramóia da direita. O esquerdista está, dessa forma, protegido pela ambigüidade de discursos contraditórios que vêm ao seu socorro sempre que ele se sente encurralado por algum argumento lançado pelos seus críticos, os conservadores.

Logo, quem o representa? Qual sua verdadeira face? Nenhuma, ou melhor, qualquer uma que convenha no momento. Ser esquerdista é não ter um lado definido a não ser aquele que o favorece a cada instante, que lhe permite dar vazão a todos seus desejos e caprichos. Se ele cisma de pôr fogo em um ônibus, deixe-o, pois ele está salvando o mundo, lutando contra os poderosos! Mas se esse mesmo sujeito agora quer condenar quem ateia fogo a bens públicos e privados, aplauda-o, porque agora ele é legal e bonzinho! Quer dizer, ele não passa de uma simples criança mimada que deseja estar sempre com a razão, faça o que fizer, resulte suas ações no que resultar. Não quer pagar nenhuma conta, não quer arcar com nenhuma despesa.

Mas vale dizer que uma insignificante minoria radical e bastante decidida (e completamente lunática) de fato permanecerá o tempo todo pensando que a guerra é do 'tudo ou nada', e que a manifestação foi corrompida pela burguesia, e que tudo está arruinado, e que o mundo é horrível, e que a vida é uma causa perdida. Essa faceta esquerdista radical tem seu maior porta-voz, hoje, no pensador russo (e conselheiro geopolítico de Vladimir Putin, presidente da Rússia) Aleksandr Dugin, muito aplaudido no auditório do departamento de Geografia da USP, ano passado. Não deixem de conferir suas idéias, inclusive no debate travado entre ele e o Olavo de Carvalho (famoso pela defesa do pensamento conservador), e tenham a oportunidade de verificar por si mesmos o embate entre idéias conservadoras e idéias revolucionárias (e deixem de formar suas opiniões, seja sobre um sujeito, seja sobre o outro, na base do que coleguinhas exclamam por aí). E se deseja um texto curto mas bastante sintético e revelador do pensamento de Aleksandr Dugin, este aqui é ótimo (para quem souber inglês, pois traduções do russo para o português são raras): http://arctogaia.com/public/eng/gnostic.htm

Enquanto isso, uma extensa maioria pacífica, mas que chegou atrasada nos protestos e se encontra bastante desinformada, de fato continuará pensando que aquilo nunca passou da iniciativa de pessoas bonitinhas como ela, que só queriam sair às ruas para manifestar insatisfações genéricas e clamar por uma justiça genérica, e que os violentos surgiram depois para estragar tudo.

Mas a parte intermediária, geralmente a garotada de esquerda, os universitários, os “intelectuais” de botequim, os jovens “politizados e engajados”, que ora estão se juntando à massa com seus cartazes de “paz”, ora estão confrontando a PM e plantando alguma semente de baderna, esses é que dão o exato tom das manifestações. Esses sujeitos compreendem de forma quase instintiva que o intuito das manifestações é sempre provocar a polícia, para que a população seja dispersada com bombas de gás e balas de borracha, e depois se faça de vítima, corroborando, assim, o discurso marxista de que toda autoridade é malvada, de que o PSDB é fascista etc. Porém eles buscam dar a impressão de inocência, como se estivessem apenas caminhando pacificamente e fossem atacados de surpresa pelo “braço armado do Estado opressor”. Eles sabem muito bem que até existe um monte de guarda mal intencionado, mas que esses nem se comparam em número com a maioria dos policiais que simplesmente cumpre seu trabalho de dispersar turbas fora de controle e de impedir o acesso a determinadas vias de importância vital para o tráfego, quando não a  estabelecimentos privados e a sedes do governo. Mas o esquerdista se encaminha voluntariamente para esses locais, e como não consegue ultrapassar alguma barreira policial (que permanece imóvel e em silêncio), lança pedras, dispara morteiros, xinga, provoca, parte pra cima como pode, e depois espera a reação lógica da polícia: botar todo mundo pra correr.

No fundo, o que eles buscam é o pretexto ideal para que ocorra todo tipo de tumulto, de vandalismo, de confronto generalizado entre polícia, militantes, ladrões, psicopatas e tudo que apareça ali no meio com o ânimo mais exaltado possível. E quem está no meio disso, mesmo sem provocar ou agredir ninguém, só pode ser cúmplice, pois poderia estar em casa tentando se informar mais, estudando história (além de sua versão marxista, claro), pesquisando as mais diversas correntes de pensamento, procurando conhecer todos os lados, em vez de servir de massa de manobra marxista, dando cobertura para os rebeldes.

Porém, ao mesmo tempo que os esquerdistas querem essa violência para legitimar o discurso marxista, eles também querem sair bem nas lentes da Globo, da TV Cultura, da Record, da Band e do SBT (para depois ainda reclamarem dessas mesmas mídias). E nada contribui mais para que esse desejo absurdo seja “realizado” do que a mente fragmentada, do que o discurso ambíguo, do que aquele mecanismo psicológico de defesa que permite ao esquerdista se enxergar como coisas distintas a cada instante e assim parecer que está sempre com a razão.

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Mas agora nos encaminhemos para o 'grand finale', respondendo à pergunta mais intrigante aqui: quem, enfim, se beneficia com toda essa situação?

Os que se sentem mais satisfeitos com o resultado final e concreto das manifestações e das grandes revoltas populares são os sujeitos bem informados sobre o plano completo, e que, dessa forma, conduzem tal processo dialético como um todo. São aqueles que estão atentos às duas pontas, presentes nos dois pólos da situação: em uma, incentivando e preparando o militante ativo, engajado, consciente da luta de classes, que, por isso, terá como importante missão implantar o caos mais violento possível na cidade (“organizar para desorganizar” é o que ensinam os marxistas); na outra, estimulando e se misturando entre os “manifestantes pacíficos”, agora deixando de reclamar que a manifestação perdeu seu sentido revolucionário de conquista política pela via destrutiva, para então simplesmente se beneficiar da sangria que eles provocaram na sociedade, e que se refletirá logo mais nas urnas, favorecendo os partidos e grupos de esquerda dos quais eles mesmos participam ou são aliados.

Após algum tempo, quando a situação política estiver extremamente desgastada por conta de um governo corrupto e descontrolado, aí sim eles pensam em partir para o golpe comunista, alegando que esse governo é ameaçado pela “direita infiltrada” e pelos “capitalistas” (o mais importante é nunca assumir a culpa por nada, mas atribui-la à direita, mesmo quando não vemos um rastro sequer dela na política, no máximo em um ou dois sujeitos). E, para esse esquerdista esperto, tudo isso é ótimo, pois significa que talvez ele garanta algum cargo de prestígio no governo, isto é, significa que ele provavelmente ficará com uma fatia mais gorda do bolo, já que faz parte da elite de governantes revolucionários, a única classe que realmente se beneficia em todas as revoluções.

Alguém poderá lembrar, entretanto, que em 1964 foi a direita quem deu um golpe sob a alegação de ameaça comunista. Para esse tipo de gente devemos lembrar, igualmente, que o Brasil, sendo apenas um país entre outros, não abriga todos os limites do planeta, logo uma análise geopolítica deve se estender para além das fronteiras nacionais. Naquele contexto de bipolaridade mundial, os países que decidiam se alinhar à URSS tomaram rumos que, mais tarde, se viu que foram os piores imagináveis, enquanto os que decidiam se alinhar aos EUA (como foi o caso do Brasil) tiveram um fim bem mais glorioso, mesmo com todos os problemas de repressão, de economia instável, de turbulências políticas. A questão é que a alternativa não era entre uma ditadura militar e a continuidade da democracia; era entre uma ditadura militar de direita ou uma ditadura comunista! E entre uma e outra, é evidente que aquela de índole reacionária sempre será melhor que a de índole revolucionária. Para comprovar isso, basta fazer a contabilidade de mortes da ditadura brasileira em relação às ditaduras de esquerda, como a cubana, a soviética, a norte-coreana, a cambojana, a chinesa-maoísta etc.

Ninguém deveria apoiar ditadura de espécie alguma, mas, convenhamos, a vida é feita de escolhas possíveis, não apenas de escolhas que desejamos, e, nesse caso, o golpe militar foi muito menos prejudicial do que seria o golpe de esquerda. Também podem alegar que não havia essa ameaça comunista, que isso é um fantasma produzido pela paranóia direitista, mas é muito curioso que os mesmos que dizem isso são aqueles que apoiaram a própria guerrilha comunista em curso no Brasil (formada por imagens holográficas?), que aplaudem até hoje o sucesso da Revolução Cubana (instaurada por espíritos fantasmagóricos?) e que muito provavelmente derramam rios de lágrimas pelas vítimas do General Médici e do General Pinochet enquanto não derramam uma sequer pelas vítimas do Fidel Castro e do Josef Stalin, embora essas sejam em número muito superior ao daquelas.

Mas, voltando, o que essa esquerda mais perversa deseja, enquanto não pode simplesmente impor um regime ditatorial do tipo cubano ou soviético, é ir, aos poucos, desestabilizando as bases morais da sociedade através desse jogo de esfarelamento do espírito de seus cidadãos, proliferando discursos marxistas e outras noções distorcidas da realidade, pelos quais todos passam, de forma cada vez mais intensa, a olhar com antipatia para o “conservador de direita” e com simpatia para o “esquerdista revolucionário”.

Portanto a revolução nada tem a ver com esquerdistas sonhadores que se arriscam tomando bala de borracha na bunda e se engasgando com gás de pimenta (ou seja, os perfeitos idiotas úteis), nem tem a ver com aqueles jovens fofinhos que postam no facebook mensagens de apoio aos protestos ou fotos deles mesmos no meio das manifestações “pacíficas”, como se essas coisas não fossem mais que baladinhas ou alguma festa carnavalesca qualquer. 

Essa revolução tem a ver com políticos profissionais, bem relacionados, que detêm os contatos certos, que se encontram nas posições estratégicas do esquema comunista, e que esperam que, tão logo o regime se concretize, eles possam se fechar numa bela cúpula de seres iluminados para decidir os novos rumos da nação. Claro que esses sujeitos não passam de um bando de idiotas prepotentes que brincarão de príncipes maquiavélicos por algum tempo até a própria sociedade embrutecida que eles ajudaram a criar estiver tão pobre, decadente e infeliz que ela mesma desistirá de ser usada com seu consentimento por esses sujeitos e passará para o lado dos “inimigos de classe”, ou seja, os burgueses, os conservadores, os “reacionários” — como fez, por exemplo, a Alemanha Oriental no contexto da Guerra Fria, ao abandonar a URSS e passar para o lado dos EUA.


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Texto publicado no blog 'Destrurir', dia 22 de junho de 2013.

Apresentação

Como primeira postagem, quero deixar aqui registrado que este blog, embora esteja sendo formalmente inaugurado hoje, dia 28 de junho de 2013, não deixa de estar inserido numa linha de continuidade evolutiva, cujo início se deu no dia 17 de maio de 2011, quando então criei o blog 'Destrurir'. Portanto, trata-se de um trabalho de publicação intelectual que possui uma origem não tão repentina como talvez parecesse. Essa origem expressa, pois, todo um caminho traçado por um sujeito e suas idéias, os quais, em um vivo e árduo processo, foram se desenvolvendo ao longo desses últimos dois anos e pouco.

Nesse último blog, minha intenção era, basicamente, apresentar textos que tratassem do âmbito político e cultural do Brasil, a partir de uma perspectiva independente e sem apelo a matizes ideológicas e partidárias. Sobretudo, havia um tom niilista na abordagem dos problemas, o que explica inclusive o título 'Destrurir', um neologismo que liga os verbos 'destruir' e 'rir'. Assim, dava a entender que minhas análises teriam um sentido de crítica social, de um demolidor ataque a certos consensos estabelecidos nessas plagas, e isso através da sátira, do deboche e do humor politicamente incorreto (que sempre prezei e ainda prezo como elemento indispensável à liberdade de expressão).

Mas, conforme o tempo ia passando, ficava cada vez mais claro que, se havia um fenômeno cuja presença se mantinha constante em quase todos os alvos das minhas críticas, era a cultura esquerdista como um todo. Devo dizer, no entanto, que nunca me preocupei muito em aderir a facções ideológicas, seja de direita ou de esquerda. Quero dizer, nunca cultivei esse tipo de insegurança pessoal que obriga o indivíduo a se amparar em grupos e panelinhas a fim de se sentir acolhido, pertencido e protegido pelos seus "iguais".

E mesmo essa abordagem que distingue direita e esquerda sempre me pareceu um tanto vazia, como uma espécie de vício de linguagem, como uma certa distração para os verdadeiros problemas a serem tratados, como uma camada grosseira que estaria encobrindo o sentido real das disputas políticas. Eu estava muito mais preocupado com a estrutura da realidade em si, na qual os agentes podem cada qual se utilizar das máscaras que bem entendem como necessárias ou convenientes aos seus projetos, mas não podem esconder sua própria essência, ou seja, não podem nos enganar acerca das feições reais por trás das máscaras, e que caracterizam a natureza singular das ações objetivas desses sujeitos.

Depois de pesquisar afundo uma série de assuntos relacionados a política, história, filosofia, religiões, mitologias etc., pude chegar a muitas conclusões diferentes: algumas duraram um breve período até serem logo substituídas por outras; algumas precisaram de aperfeiçoamento; algumas foram completamente descartadas; algumas, embora se revelassem problemáticas, ao menos deixaram sementes de grande valor e utilidade; e, finalmente, algumas dessas conclusões se mantiveram de pé, altas e rígidas como um tronco maciço que não cede a nenhuma tempestade. A tempestade, no caso, é a própria confusão do cenário cultural e político em que vivemos, onde o sentido de quase tudo se perde, se mistura, se corrompe. Mas nunca me esquivei de enfrentar essas tempestades e, por isso mesmo, sinto que hoje posso distinguir com maior clareza todas as diferentes conclusões a que fui chegando nessa trajetória de auto-conhecimento e busca pela verdade.

Hoje, se me perguntam o que penso desse tom niilista que cultivava antes, e que me tornava uma pessoa muito mais destrutiva e sarcástica, eu respondo que ele jamais deveria ser abandonado, pois niilismo, romantismo, paixão, morbidez, tragédia, comédia, tudo isso deve ter o seu devido espaço, seja na arte, seja no humor, seja até em certos momentos da vida em que podemos nos entregar ao caos. Mas o contrário de tudo isso também deve ser valorizado, pois, longe de significar a extinção desses sentimentos turbulentos, é justamente ele que lhes dá um sentido maior e mais preciso. 

Se tem algo em que acredito é na dialética, na síntese que permite a coexistência dos opostos, da tese e da antítese. E se antes eu podia cultivar com tanta sinceridade a antítese revolucionária, é porque no fundo do meu espírito eu possuía a tese conservadora, a qual eu estava começando a perder cada vez mais. Meu grande desafio foi, então, resgatar essa tese das garras de uma cultura que só preza pelo lado negro da vida: a bunda, a cachaça, a preguiça, a malandragem, o sorriso cínico. Isso é o Brasil, e, por viver em um país como esse, é que eu pude ver de forma tão explícita que, toda vez que eu contestava algo, não era por ir contra algum aspecto dessa cultura, mas por realçá-la a um nível que se tornava insuportável até para os meus conterrâneos tão acostumados a essas coisas. Eu era, pois, o mestre da própria brasilidade contemporânea, do próprio cinismo, da própria malandragem, e de tudo que possa ser desagradável, sinistro, nojento, preconceituoso, vexaminoso, cômico, contraditório (e com uma formação assim, não há nada que me espante em termos de sacanagem, ironia e babaquice nonsense).

Afinal, algo que eu sempre detestei foram as máscaras, as camuflagens e as pistas falsas. Se era para ser negativo, jamais me escoraria em justificativas bonitinhas para dar vazão à minha negatividade pessoal. Eu era o revolucionário anarquista por excelência. Não buscava nada, ou melhor, o que eu buscava era precisamente o nada.

Mas chega um momento em que devemos dar chance ao contrário. Nesse caso, chega o momento em que o contrário deve dar chance àquilo próprio de que ele é somente o contrário. E, portanto, o espírito anarquista, revolucionário e niilista deve dar chance ao espírito conservador, ortodoxo e normativo. 

Falarei mais sobre como se deu a elaboração dessas idéias, dessa dialética (que, para não causar confusão a ninguém, já antecipo que muito difere da dialética hegeliana, por exemplo). Por enquanto, só deixo registrado que a criação deste blog foi muito mais um esforço de adequação formal do conteúdo que vinha sendo desenvolvido no blog anterior, 'Destrurir', já desde o final de 2011. Desse modo, nada mais apropriado do que mudar a apresentação de uma página que se propõe a um objetivo como esse, seja na uniformidade temática do conjunto de seus textos, seja até no título e no layout.

Com esse novo blog pretendo continuar o nobre (e, hoje, tão necessário) trabalho de combate ao pensamento esquerdista. Alguns textos do antigo blog serão aqui revividos, sempre com aviso. O importante é que agora só irei oferecer aos leitores aquilo que considero a base de todo o pensamento mais verdadeiro e seguro possível, que coincide justamente com o panorama do pensamento conservador.