Analisemos, com base nesse vídeo [do link de youtube acima, pois não foi possível postar o vídeo diretamente devido a falhas do Blogspot, o qual também tem dificultado a edição do texto], a retórica de embuste utilizada por este sujeito, Caio Fábio: é de se notar que toda sua “argumentação” apóia-se quase que unicamente em um estilo “poético” de sermão religioso, cujo poder de convencimento recai muito mais na sonora fluência das palavras do que na rigidez dos princípios lógicos em que se deve assentar um raciocínio legitimamente verídico. Pois não é à toa que, com freqüência, vemos esse tipo de retórica surgir de momentos que sugerem estados de transe, e em que se percebe por parte do orador uma inconstante oscilação entre falas mansas, sonsas e teatrais, e tons mais extasiados, eufóricos, como os de um pai de santo manifestado. Além disso, um tipo de raciocínio no qual se alardeia — com um petulante ar de satisfação no próprio erro! — o seu fundamento maior na idéia mesma de absurdo (isto é, na renúncia à lógica, à razão... pois isso que significa absurdo) jamais deveria ter a pretensão de possuir qualquer sentido de veracidade... talvez a de soar esteticamente atrativo ou curioso.
Mas vamos ao problema em si: o paradoxo do cristianismo, como se verifica em Caio Fábio. Esse pode ser posto nos seguintes termos:
1. Se Cristo expressa apenas um espécie de salvação abstrata, metafórica, que qualquer indivíduo poderia atingir até por meio de uma simples “voz doce no coração”, “uma sabedoria sem nome nem apelido” (ou seja, sem o conhecimento específico das Escrituras — pois é a isso que Caio Fábio está se referindo no fundo, mesmo com todo o cuidado eufemístico de sua linguagem adocicada), então Jesus não pode ser considerado ‘o’ salvador, mas no máximo uma expressão — diga-se, historicamente bastante tardia e repleta de falhas — de concepções antiquíssimas e ainda melhor elaboradas por profetas, poetas e pensadores que nos legaram mensagens muito similares desde vários séculos antes de Jesus (coisas relativas a espiritualidade, amor, humildade, sacrifício etc.)
2. Se Cristo não é somente um eco dessas mensagens bonitinhas, acessíveis dentro de muitos contextos diferentes, mas a única e exclusiva via de salvação (como aliás as próprias Escrituras parecem não deixar muitas dúvidas a respeito), então não é qualquer indivíduo que pode ser salvo simplesmente ouvindo uma “voz suave no peito” ao pressentir o conteúdo simbólico do cristianismo em qualquer imagem vaga e abstrata, mas os que de fato têm acesso a essa via especificamente cristã por estarem em contato direto com a pregação do evangelho, e que, em última instância, foram realmente eleitos por Deus (ainda que num plano da eternidade) para pertencerem a uma determinada cultura em que o cristianismo está presente.
E dessa forma:
1. No primeiro caso, como vemos, Cristo torna-se um tanto dispensável, pois outras vias, talvez até mais eficazes e interessantes, já haviam sido abertas e se fariam acessíveis sem a necessidade da específica mensagem cristã. E, aliás, a própria estória de Jesus torna-se, desse modo, uma contradição, visto que o sacrifício perde todo seu sentido religioso mais profundo (e — ressalta-se — apenas por cuja aceitação, segundo os evangelhos, a salvação seria possível).
2. Mas — no segundo caso —, se não importa somente a mensagem bonitinha e as vagas imagens do coração que coincidiriam com as mensagens cristãs, e que assim poderiam surgir até na mente de um aborígene em abstrações de ideais relativos a humildade e sacrifício; se não é só isso que de fato interessa aqui, mas a existência real de Cristo como um enviado divino que traz a redenção aos crentes através de sua palavra bíblica e possibilidade de testemunho de seu sacrifício... então é evidente que esse Deus, nessa concepção rigorosa, acaba sendo um tanto exclusivista, “calvinista”, “arianista”, “nazista” etc., como propõe Caio Fábio, pois só aqueles que fossem escolhidos para terem acesso a essas palavras e testemunhos é que poderiam se salvar realmente.
É até interessante observamos com mais cuidado a tática retórica desse sujeito. Pois ele demonstra compreender o paradoxo do cristianismo, e até oferece uma explicação razoavelmente detalhada das razões pelas quais o cristianismo teria, nesse caso, um caráter exclusivista da predestinação, que só beneficiaria certos grupos circunscritos a determinados limites “geopolíticos-econômicos-históricos”, isto é, com acesso a este canal da mitologia cristã; sim, ele demonstra que entendeu mais ou menos o problema... mas se o faz, é apenas para malandrosamente dar a impressão de uma suposta superioridade de raciocínio que já teria em si a antecipação de uma resposta incrível e surpreendente a todos os críticos.
Porém, conhecer o paradoxo não é ainda respondê-lo, e se ele mostra saber da existência do paradoxo, já não é verdade que ele nos oferece qualquer resposta a isso. Pois onde estaria exatamente essa resposta? Em parte alguma de seu monólogo confuso, ziguezagueante, dramático e choramingado.
Afinal, o que esse sujeito faz se não reentrar no mesmo paradoxo, contrastando, na sua dialética maluca, uma porção de antíteses conflitantes, de discursos fragmentados e inconclusivos, que no fim só podem mesmo resultar na “síntese do absurdo”?
Senão, vejamos. Em um momento, Calvino — que, nas palavras de Caio Fábio, era um “coitado do século XVI” que, estritamente pelo período histórico em que viveu, não poderia pensar melhor que alguém do nosso século — estava, assim, desautorizado a afirmar certas coisas em questões teológicas ou filosóficas (como, no caso, a de predestinação), pois lhe faltaria o devido acúmulo de saberes (desses meros quatro séculos que se seguiram) que, só desse modo, então, lhe permitiria a correta hermenêutica das escrituras sagradas; a seguir, nesse seu mesmo discurso — que aliás seria facilmente repreendido como evolucionista, historicista e relativista pelos seus colegas cristãos mais ortodoxos (sim, esse senhor, aos olhos de um católico, por exemplo, não passa de um maldito herege, alinhado com o diabo, condenado às chamas infernais) —, a censura de Caio Fábio recai agora sobre o “argumentolinho que ainda faz parte da linearidade temporal de Cronos”, o qual — quão gozado e irônico! — deixa de considerar justamente a simultaneidade de todos os eventos do universo em Deus, e que, por essa razão mesmo, conferiria a certos conhecimentos um caráter de atemporalidade, assim independentes de evolução histórica, apenas por serem revelados através de um canal divino a certos indivíduos espiritualmente, ou intelectualmente, agraciados... o que seria, pois, o caso não só de muitos profetas e teólogos ilustres do cristianismo, mas também do próprio Calvino, criticado minutos antes com base em argumentos opostos, ou seja, evolucionistas, historicistas e relativistas! (Pois é certo que negar esse aspecto teológico significa o mesmo que riscar centenas de páginas da Bíblia, a qual se sustenta sobretudo nessas noções de profecias e revelações incontestáveis de milênios passados... inclusive para justificar a estória de nosso amigo Jesus).
E conforme a dialética do absurdo prossegue na boca inflamada de Caio Fábio, e também nos seus olhinhos meio fechados vislumbrando o além das nuvens douradas, no seu cajado místico que só falta virar uma serpente, e na musiquinha new age ao fundo, com o tom da pregação tornando-se cada vez mais teatralizado, choroso, ambíguo, como o de um louco batendo conhecimentos pseudo-eruditos no liqüidificador de sua esquizofrenia, as antíteses chocam-se ainda mais, revelando-se os contrastes ainda mais gritantes das contradições, e evidenciando toda a loucura desse discurso... até que em um segundo o vemos condenar veementemente a idéia de predestinação (sempre com o uso de adjetivos que denotam sua clara antipatia por certos grupos, como “arianos”, “gregos”, “aristotélicos”) e, no segundo imediatamente seguinte, o vemos, já totalmente despirocado, entrando em parafuso, no curto-circuito de suas antíteses alucinantes, jogar então os braços para o alto, em pura redenção epifânica, agradecendo por ser um desses sortudos predestinados por Deus, pois que, afinal, ele teria recebido a maravilhosa graça divina de estar no “livro da vida”, já que aceitou Cristo e por isso encontra-se já, como bom cristão, na verdade plena... ainda que o conhecimento acerca dessa graça, dessa sorte gratuita, dessa predestinação divina, não possa ser assimilado pela limitada razão humana... apenas ostentado pela inflexível convicção cristã (e, também, como se Calvino tivesse por algum momento tentado justificar suas idéias de predestinação com base em um conhecimento superior de todos os mistérios divinos, em um escrutínio infinito da razão suprema de Deus, e não apenas as afirmado como simples fatos a serem humildemente acatadas e agradecidas por lhe chegarem ao frágil e limitado intelecto humano).
(Obs.: Caio Fábio também parece ter uma certa dificuldade de entender que uma coisa ser “pré-destinada” não significa que ela esteja submetida aos efeitos do tempo, mas exatamente que ela transcende o próprio tempo, estando assim com seu destino traçado no mesmo plano de simultaneidade total e absoluta a que ele se refere quando se põe a criticar a idéia de predestinação apoiando-se, contudo, na idéia de eternidade divina — portanto ele só está o tempo todo confirmando o mesmo conceito de predestinação, embora trocando os termos numa salada bem temperada de poesia e chororô pseudo-filosófico...)
Afinal, o que esse sujeito faz se não reentrar no mesmo paradoxo, contrastando, na sua dialética maluca, uma porção de antíteses conflitantes, de discursos fragmentados e inconclusivos, que no fim só podem mesmo resultar na “síntese do absurdo”?
Senão, vejamos. Em um momento, Calvino — que, nas palavras de Caio Fábio, era um “coitado do século XVI” que, estritamente pelo período histórico em que viveu, não poderia pensar melhor que alguém do nosso século — estava, assim, desautorizado a afirmar certas coisas em questões teológicas ou filosóficas (como, no caso, a de predestinação), pois lhe faltaria o devido acúmulo de saberes (desses meros quatro séculos que se seguiram) que, só desse modo, então, lhe permitiria a correta hermenêutica das escrituras sagradas; a seguir, nesse seu mesmo discurso — que aliás seria facilmente repreendido como evolucionista, historicista e relativista pelos seus colegas cristãos mais ortodoxos (sim, esse senhor, aos olhos de um católico, por exemplo, não passa de um maldito herege, alinhado com o diabo, condenado às chamas infernais) —, a censura de Caio Fábio recai agora sobre o “argumentolinho que ainda faz parte da linearidade temporal de Cronos”, o qual — quão gozado e irônico! — deixa de considerar justamente a simultaneidade de todos os eventos do universo em Deus, e que, por essa razão mesmo, conferiria a certos conhecimentos um caráter de atemporalidade, assim independentes de evolução histórica, apenas por serem revelados através de um canal divino a certos indivíduos espiritualmente, ou intelectualmente, agraciados... o que seria, pois, o caso não só de muitos profetas e teólogos ilustres do cristianismo, mas também do próprio Calvino, criticado minutos antes com base em argumentos opostos, ou seja, evolucionistas, historicistas e relativistas! (Pois é certo que negar esse aspecto teológico significa o mesmo que riscar centenas de páginas da Bíblia, a qual se sustenta sobretudo nessas noções de profecias e revelações incontestáveis de milênios passados... inclusive para justificar a estória de nosso amigo Jesus).
E conforme a dialética do absurdo prossegue na boca inflamada de Caio Fábio, e também nos seus olhinhos meio fechados vislumbrando o além das nuvens douradas, no seu cajado místico que só falta virar uma serpente, e na musiquinha new age ao fundo, com o tom da pregação tornando-se cada vez mais teatralizado, choroso, ambíguo, como o de um louco batendo conhecimentos pseudo-eruditos no liqüidificador de sua esquizofrenia, as antíteses chocam-se ainda mais, revelando-se os contrastes ainda mais gritantes das contradições, e evidenciando toda a loucura desse discurso... até que em um segundo o vemos condenar veementemente a idéia de predestinação (sempre com o uso de adjetivos que denotam sua clara antipatia por certos grupos, como “arianos”, “gregos”, “aristotélicos”) e, no segundo imediatamente seguinte, o vemos, já totalmente despirocado, entrando em parafuso, no curto-circuito de suas antíteses alucinantes, jogar então os braços para o alto, em pura redenção epifânica, agradecendo por ser um desses sortudos predestinados por Deus, pois que, afinal, ele teria recebido a maravilhosa graça divina de estar no “livro da vida”, já que aceitou Cristo e por isso encontra-se já, como bom cristão, na verdade plena... ainda que o conhecimento acerca dessa graça, dessa sorte gratuita, dessa predestinação divina, não possa ser assimilado pela limitada razão humana... apenas ostentado pela inflexível convicção cristã (e, também, como se Calvino tivesse por algum momento tentado justificar suas idéias de predestinação com base em um conhecimento superior de todos os mistérios divinos, em um escrutínio infinito da razão suprema de Deus, e não apenas as afirmado como simples fatos a serem humildemente acatadas e agradecidas por lhe chegarem ao frágil e limitado intelecto humano).
(Obs.: Caio Fábio também parece ter uma certa dificuldade de entender que uma coisa ser “pré-destinada” não significa que ela esteja submetida aos efeitos do tempo, mas exatamente que ela transcende o próprio tempo, estando assim com seu destino traçado no mesmo plano de simultaneidade total e absoluta a que ele se refere quando se põe a criticar a idéia de predestinação apoiando-se, contudo, na idéia de eternidade divina — portanto ele só está o tempo todo confirmando o mesmo conceito de predestinação, embora trocando os termos numa salada bem temperada de poesia e chororô pseudo-filosófico...)
Por fim, analisemos apenas a questão que ele coloca sobre Calvino.
Ora, o que Calvino fez, utilizando sua mente “grega” e “aristotélica” e “linear”, foi na verdade deduzir deste inelutável impasse, implicado por tal paradoxo do cristianismo, a conclusão mais lógica e racional de que, ou o problema deveria recair sobre o primeiro caso (a natureza dispensável de Cristo) ou sobre o segundo (a natureza exclusivista de Cristo); e contudo, como bom representante da causa cristã (ou, poder-se-ia dizer, como uma espécie fiel de "secretário de Cristo"), Calvino, então, sendo minimamente pragmático neste ponto, opta pela segunda alternativa, o que, óbvio, se faz com que sua doutrina adquira um aspecto de fanatismo prepotente e segregacionista, ao menos evita que ela seja relegada a uma questão desprovida das mais altas dimensões metafísicas requeridas para que a fé cristã se firme com um autêntico sentido religioso (e não como um fetiche bobo sujeito aos caprichos humanos — o que ela é no fundo); pois, caso contrário, Cristo tornar-se-ia um elemento meramente historiológico, relativizado, mundano, junto, conseqüentemente, com o cristianismo, as igrejas e pregadores que lhe dão suporte de propagação. (E dessa postura de Calvino acaba decorrendo, ao menos em teoria, que alguns bilhões de inocentes sejam jogados no mar de fogo por simplesmente não aceitarem as palavras e testemunhos de dois mil anos atrás... mas quem liga?)
Portanto, no fim das contas vemos que Calvino utiliza seu pensamento lógico-dedutivo, “grego”, “ariano”, “aristotélico”, apenas como tentativa de salvar as aparências de uma problemática absurda, irracional, passional, e diríamos até “semítica” (pois penso aqui que nos referir a semita desse modo não deve constituir um grande problema para ninguém, já que para Caio Fábio as expressões “grego” e “ariano” podem ser utilizadas de maneira pejorativa, sem que por isso ele seja acusado de “anti-grequismo” ou “anti-arianismo”), algo que talvez sua inteligência confusa e pouco aristotélica não consiga assimilar muito bem... e a depender do que, o cristianismo talvez já tivesse, felizmente, desaparecido há muito, por assim lhe faltar um mínimo de coerência teórica para se manter como algo “sério” no plano das discussões e picuinhas demasiadamente humanas.