quinta-feira, 8 de agosto de 2013

A lei do mais íntegro


Os materialistas/fisicalistas costumam dizer que não existe o bem e o mal nem qualquer parâmetro de moralidade que ultrapasse os limites do tempo e o espaço. Para essa gente, portanto, seriam nossas noções instintivas de como agir em relação uns aos outros nada mais que o resultado de mecanismos evolutivos, que no decorrer das eras teria nos equipado com um sistema neurológico adaptado para produzir sensações de prazer e dor conforme o comportamento social mais adequado à sobrevivência da espécie. Mas o que essas pessoas parecem ter uma certa dificuldade de compreender é que isto que elas chamam de mecanismo evolutivo não é uma alternativa melhor de explicação para o conceito de moral absoluta; é, na verdade, uma mera confirmação do mesmo. 

Se admitirmos que há um parâmetro eterno de moral absoluta, pensar, então, em um mecanismo de evolução que atue no sentido contrário a essa moral é como querer depor contra a ordem lógica do universo, tentando conceber uma situação paradoxal em que o desenvolvimento dos principais fatos biológicos, no curso do tempo, contraria as regras estabelecidas na eternidade. Nesse caso, ou a concepção de moral admitida, ou a de evolução conjeturada, ou as duas simultaneamente, poderiam estar erradas (ora, toda teoria científica, ética ou teológica será sempre passível de crítica). Contudo ainda não se poderia excluir a possibilidade de que tanto uma moral absoluta quanto um processo de evolução existam, e aliás coexistam em perfeita sintonia.

O que ocorre na realidade é que em um plano eterno já se encontram determinados os padrões de comportamento biológico que favorecem a vida bem como o seu devido prosseguimento evolutivo rumo à máxima consciência moral; conseqüentemente, na dimensão espaço-temporal esses mesmos padrões de comportamento biológico deverão compor os quadros de regras da natureza (com desvios, é certo; mas o desvio, por sua vez, pressupõe a regra). Só o que não é possível é que o simples desenrolar dos fatos no tempo, apenas por si mesmo, produza suas próprias leis primordiais (como a tendência biológica de se buscar a vida e a consciência), sem estar, dessa forma, dialeticamente apoiado em um plano eterno -- no qual, a princípio, já estejam estabelecidos padrões absolutos de fenômenos naturais. 

Por isso, faz muito mais sentido dizer que as diversas teorias evolucionistas constituem antes uma tentativa de se observar como a substância eterna do universo manifesta-se na dimensão temporal através de fatores como a mutação gênica e a seleção natural dos seres vivos. Pois, assim, ao longo dos tempos, os tipos mais fortes prevaleceriam no ciclo da vida por atenderem a um padrão de qualidades morais fixado na eternidade.

Isso não quer dizer, entretanto, que os tipos mais "aptos à sobrevivência" sejam os mais violentos e insensíveis ao sofrimento alheio, tampouco que sejam de uma excessiva delicadeza e compassividade. Eu, particularmente, acredito que a evolução dê preferência aos seres que sabem cultivar não somente a paz, mas a violência, embora em uma proporção muito específica, que, assim, se torna benéfica à vida: ou seja, nem tanto mais que se tornem embrutecidos por uma sede de sangue insaciável, nem tanto menos que passem a repudiar a guerra e a própria competição (da qual vieram inclusive a se tornar os vencedores no processo evolutivo). 

A propósito, a evolução deve dar preferência a um tipo de espírito que caminha no sentido de uma maior integração mental, isto é, que tenha um maior poder de formar sínteses entre os princípios opostos da realidade, a capacidade, portanto, de articulação dialética da mente. Ora, os fortes amam tanto a paz quanto a guerra; e, embora prefiram a vitória e a exaltação de si, também reservam uma parte de seu gosto para a derrota auto-imposta e a melancolia voluntária.

Os fracos, por seu turno, ao se distanciarem desse caráter dialético de integração mental, passam a oscilar inconscientemente entre dois estados de comportamento opostos que nunca se encontram em uma síntese perfeitamente consciente de si, portanto nunca integram uma linha contínua e coerente de ação e pensamento: assim, por um lado, estão constantemente envolvidos em guerras sem fim, buscando a vitória a todo custo, sem jamais carregar qualquer código ético de batalha (como o código de cavalaria e de honra militar, que esses tipos consideram um mero véu a encobrir jogos de interesses mesquinhos), sem nunca prestar qualquer respeito aos seus adversários (já que acreditam que o respeito ao inimigo não passa de submissão aos "agentes opressores", e que tudo que importa é defender os interesses de sua classe); e, por outro lado, no outro pólo dessa oscilação inconsciente, repudiam emotivamente toda forma de violência e guerra, revelando nesse ponto um extremo cansaço para as disputas e os combates.

Na era moderna, nenhum outro grupo representa melhor esse caráter torpe e pusilânime do que os comunistas, aqueles que não cessam de chorar pelas tristes mazelas da humanidade, de se lamentar acerca da terrível crueldade deste mundo, de se compadecer com as dores dos 'fracos e oprimidos', e que, de forma irônica, também foram responsáveis pelas maiores atrocidades e derramamentos de sangue que já se viu na história.

Devo dizer que este comentário refere-se, é claro, a uma análise meramente ligada ao universo sociológico do seres humanos. No entanto, mesmo em termos do desenvolvimento evolutivo dos animais, dos mais complexos aos mais primitivos, me parece certo que semelhante princípio se dá nas relações entre as diversas espécies. Aquelas que tendem a um tipo de comportamento que integra habilidades e temperamentos opostos (competitivos e cooperativos; predatórios e mutuais; bélicos e afetivos) prevalecem na natureza. Dessa forma, aliás, é que os seres vivos foram evoluindo até se chegar ao próprio homem, que de todas as espécies é a que mais se aproxima do modelo integral a que me refiro. E por isso mesmo ele é superior a todas as outras criaturas da Terra.

Ademais, o aumento da multifuncionalidade cerebral, da eficiência de memorização e da capacidade abstrativa de calcular eventos futuros -- tudo isso proporcionado pela busca de uma maior integridade perceptiva do tempo -- desempenhou um destacado papel em seu prevalecimento, pois possibilitou que o poder da palavra (mais precisamente a palavra de confiança) adquirisse grande valor nas relações entre indivíduos e comunidades. Com isso, a promessa, a lembrança e o cumprimento dos diversos acordos tornaram-se a chave para o sucesso da espécie humana em relação aos animais, e, em canais mais estreitos que adentram a própria humanidade, de determinadas tribos, sociedades e nações.

Coisas como a honestidade, a responsabilidade individual e a honra são de importância vital para o tipo conservador pois ele entende que a necessidade de conservar esses elementos decorre, antes mesmo de um simples mecanismo evolutivo, de um princípio moral que é eterno, universal, absoluto, metafísico, e que, por fim, garante não apenas sua sobrevivência física, mas a salvação de sua alma, a vitória mais importante de todas.

Assim, compreende-se, também, por que um conservador, ao se ver impedido de manter certos jogos de politicagem barata, ou de enviar milhões de indivíduos para a vala comum dos 'inimigos de classe', ou de buscar uma tipo de lucro imoral, ou de depositar todo o valor da existência na matéria, ou de buscar um tipo de Estado controlador e paternal que se infla de riquezas da noite para o dia e cuida da população ao preço de sua própria independência, não o faz por nenhuma teimosia retrógrada, mas por saber que agir com esses impedimentos é a única forma de alcançar a vitória plena em todos os sentidos. As chamadas 'travas morais' são para o conservador o que para o jogador de xadrez é a previsão de que um movimento aparentemente vantajoso a curto prazo pode resultar, em alguns lances seguintes, na sua completa derrocada.

Nesse sentido, a força do caráter moral que o conservador busca manter -- e que o faz vitorioso tanto no plano físico quanto no metafísico -- apenas traduz sua disposição de assimilar, além da percepção de tempo (passado-presente-futuro), a percepção de eternidade. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário