sexta-feira, 15 de novembro de 2013

A origem do fenômeno homossexual







    Um conceito-chave para compreendermos este assunto é o da distinção entre sujeito e objeto. Sujeito é, pois, aquilo com que nos identificamos e com que podemos assim ter uma relação de orgulho ou de auto-crítica; objeto é aquilo com que não nos identificamos, mas que olhamos com distância, e com o qual podemos manter portanto uma relação de desejo ou de desprezo. Como se vê, nessa definição há um elemento muito sutil de interpretação e, logo, uma tentadora brecha para os mais perigosos equívocos — e mesmo por apontar ao que talvez seja a fonte das grandes confusões humanas, ela mesma chega a parecer confusa em si.

    Entretanto, um modo bastante eficiente de verificarmos a validade deste conceito e assim notarmos com maior nitidez os contornos que separam o sujeito do objeto — e com isso testarmos, sobretudo, a enorme diferença entre orgulhar-se por identificação e atrair-se por desejo —, está na maneira como nos relacionamos com nossos próprios impulsos sexuais. 

    O homem íntegro e saudável não tem afinidade com o universo feminino, quer dizer, com a mulher enquanto gênero sexual, pois não há aqui um elo de identificação, não se tem um elemento de orgulho suscitado na consideração do sexo feminino, e não há sequer um sentimento de auto-crítica — afinal a mulher não é o sujeito do homem. Por outro lado, o homem atrai-se pela mulher, ele a deseja e admira profundamente, pois nesse caso há sim um elo de objetivação — ora, a fêmea é o objeto, o objetivo maior do macho. 

    E estes dois sentimentos, o orgulho e o desejo, são distintos o bastante para compreendermos que se tratam de duas funções afetivas totalmente opostas, embora sejam ao mesmo tempo duas maneiras de apreciação. O homem aprecia ser o homem, e aprecia ter a mulher, porque o ‘ser’ pressupõe uma relação com o sujeito, enquanto o ‘ter’, uma relação com o objeto. Evidentemente, a recíproca, do sentimento feminino para com o homem, só pode ser verdadeira, embora, ao invés de possuir, a mulher sinta-se ainda mais feliz sendo possuída.

    Podendo isso estar um pouco mais claro, é possível entender agora o caso inverso da distinção, que é quando ocorre a confusão, e o sentimento que deveria ser orgulho vira desejo, e vice-versa. É compreensível que isso possa ocorrer porque em todo o desejar há um movimento de aproximação entre o sujeito e o objeto, e portanto há o risco de uma colisão entre os dois: o que gera a confusão, isto é, a “co-fusão”, o fundir-se conjuntamente com algo (a própria etimologia da palavra já revela esse sentido). Isso pode acontecer sobretudo se o desejo é por demais intenso, porém a noção identitária, o orgulho, por assim dizer, que mantém o sujeito a uma distância conveniente do objeto, deixa de atuar sobre ele. Nesse modo pervertido de relação, o desejo funciona como uma força atrativa desimpedida de qualquer outra força contrária, levando o sujeito e se tornar o próprio objeto desejado — e o que antes era só desejo vem a ser também orgulho e identificação, porque não há mais linhas divisoras bem definidas que separem o sujeito do objeto. 

    Essa situação, remetendo a um clássico tema místico, é como a tentativa de atravessar o espelho e se transformar no próprio reflexo, o qual de certo modo é uma inversão da essência do sujeito concreto que o contempla (como, no caso, a mulher é uma inversão do homem). É como Narciso que, vidrado em sua própria imagem, perde seu ponto de referência subjetiva, que deveria mantê-lo firme em sua posição de sujeito real; e sem o ponto de apoio necessário para manter o equilíbrio interno, se precipita nas águas de Eco, sendo tragado para uma dimensão oculta além do reflexo: o reino da morte, em contraste com o reino da vida, esse que por sua vez se acha aquém daquele espectro fantasmagórico invertido que pode ser visto no espelho fluvial — então nosso Narciso se transmuda no objeto, isto é, em seu inverso, o ser irreal, sem vida, inerte na escuridão profunda da lagoa.

    Curiosamente irônico é, também, o fato de que o fenômeno narcisístico pode se referir ao homossexualismo tanto nesse sentido de um sujeito que se torna seu oposto (o objeto), como no sentido de uma auto-obsessão do próprio sujeito/objeto. A ambivalência nesse caso, embora pareça contraditória, é apenas o resultado óbvio da perda deste senso de distinção entre sujeito e objeto. Na confusão, o sujeito verdadeiro é tão auto-anulado em favor da mistura com o objeto, quanto até mesmo o objeto, ao se misturar com o sujeito, é rejeitado em sua forma pura, singular, distinta. 

    Como conseqüência, o homossexual fica tão preso e fundido a uma natureza oposta à sua que, paradoxalmente, ele se vê incapaz inclusive de apreciá-la da maneira correta, sadia, aquela que possibilita o compartilhamento entre duas naturezas diferentes e complementares; o homossexualismo é portanto, em termos de funcionalidade sexual, a forma mais filauciosa, auto-centrada, egoísta de relacionamento amoroso, porque implica que um gênero esteja bloqueado para o outro e fechado em si, e ainda por cima numa representação alucinatória que é alheia à sua original. 

    Enfim, o Narciso é tão obcecado consigo próprio que, buscando incessantemente sua imagem, se esquece porém de que ele, enquanto ente concreto, não é essa imagem, e de que aquilo que encontrará mergulhando no reflexo da água é de fato o inverso de si mesmo: o objeto — o demônio, o fantasma, a morte — que busca sugar a essência (a alma) do indivíduo.

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