terça-feira, 3 de novembro de 2015

Bandidos de mente estacionária

   Já há um tempo que, neste resquício de país chamado Brasil, temos vivido um estado social patológico, cada vez mais agravado pela torpe mentalidade esquerdista. Isso que digo, aliás, está longe de constituir uma novidade para qualquer pessoa que raciocine acima do nível de inteligência de um berimbau. E, hoje mais cedo, ao me deparar com uma coluna do site Yahoo, apenas obtive mais uma das centenas de confirmações diárias desse fato. 

   O texto intitula-se ‘Mulheres e estupradores; os reais e os simbólicos’. Traduzido para uma forma mais sintética, direta e franca, a mensagem que temos ali apresentada é a seguinte: Eduardo Cunha, o atual presidente da câmara, a despeito de ser, como diversos outros de seus semelhantes (aliados ou rivais), mais um político envolvido em densos esquemas de corrupção, representa, no entanto, um fator de contraposição ao governo do PT — devendo, por essa exclusiva razão (meio velada, é claro), ser encarado como o símbolo de todo o mal no universo.

   A redação do fulano chega até a sugerir algo de uma certa razoabilidade, como o fato evidente de que, numa disputa entre bandidos, deve haver aquele que é o pior e que, assim, deveria ser mais evitado. Contudo, nesse caso, a grande questão ainda é, obviamente, descobrir qual é este pior. Mas para o autor da coluna, tal questão já está resolvida: o lado “conservador” representa o pior tipo, já que estimularia, através de atos simbólicos e facilitações jurídicas, o estupro generalizado de mulheres, o genocídio, o infanticídio e, enfim, tudo que há de mais perverso e diabólico.

   Bem, é claro que exageros de percepção sempre estarão presentes em ambos os lados de uma contenda ideológica coletiva. Dessa forma, tipos médios de esquerda acusarão os direitistas de serem os responsáveis por toda a maldade e violência do mundo, enquanto tipos médios de direita devolverão as mesmas acusações contra os esquerdistas. Isso é de se esperar entre tipos medianos que, incapazes de uma reflexão mais aprofundada, limitam-se a aderir a movimentos coletivos que fanaticamente defendem suas causas prontas, execrando o adversário.

   O triste é verificarmos esse padrão de comportamento sendo repetido por indivíduos que se encontram não encolerizadamente gritando nas ruas, mas friamente expressando-se para órgãos da mídia. É o caso desse sujeito que elaborou tal matéria. Toda sua visão de mundo, se repararmos, está reduzida às mesmas fórmulas simplórias que movem o tipo medíocre, de raciocínio leviano, que sai tomando seus posicionamentos de maneira impulsiva. 

   Pois analisemos o quadro pintado pelo camarada: primeiro, baseando-se numa teoria em si reducionista — que, aliás, tipicamente reflete a animalesca concepção de mundo do esquerdista, segundo a qual tudo é regido por fatores exclusivamente materialistas, em que mesmo os sentimentos mais nobres da humanidade não são reais, mas meras ferramentas ilusórias biologicamente engendradas para nos manter estabilizados como animais dentro de um universo mecânico, frio, cego e opressor —, temos que as estruturas básicas de uma sociedade estariam, assim, constantemente moldando-se entre dois estados distintos de banditismo institucional. De um lado, aquele que se refere ao tipo mais selvagem de bandido (chamado, nessa teoria, de “bandido itinerante”), que assalta, estupra, mata, e, como um bárbaro nômade que esgota todos os recursos do local por onde passa, em seguida vai embora em busca de uma nova vila para atacar. E, do outro lado, o bandido mais civilizado, que sedentariamente permanece numa determinada região, bolando mecanismos mais sofisticados de exploração de suas vítimas, sem esgotá-las por completo e até lhes garantindo uma margem de segurança pública para que continuem habitando o local com alguma estabilidade, podendo mesmo progredir em suas vidas (e, assim, serem cada vez mais sugadas por esses bandidos).

   Quer dizer, a teoria aponta para alguns dados elementares já bem conhecidos por todos, referentes a tipos de bandidos que podemos facilmente reconhecer no âmbito público. Evidentemente, o erro dela está em querer reduzir toda nossa realidade política e social a esses fatores de banditismo, como se não houvesse, paralelamente (e mesmo em preponderância, no caso de uma sociedade saudável), algo de intrinsecamente bom, positivo, nobre e necessário nas estruturas de um governo, já que, supostamente, todos os governantes não passariam de bandidos deste tipo civilizado (os tiranos... ou “bandidos estacionários”, como chamado nesta teoria chinfrim, talvez para se atribuir um pretenso ar de seriedade), aos quais nos sujeitaríamos apenas como forma de evitar o outro tipo de bandido, mais violento e cruel.

   Mas deixando um pouco de lado esse aspecto, é de se notar apenas a forma completamente insana com que o colunista do Yahoo procura associar ao tipo conservador essa categoria do bandido mais selvagem e agressivo, partindo-se, no entanto, de razões que, à primeira vista mesmo, já acabam denunciando o contrário do que ele mesmo conclui com suas justificativas furadas. Por exemplo, ele diz que, ao procurarem reforçar as leis anti-aborto, os conservadores estariam mostrando que se aproximam mais da atitude violenta de soldados que invadem cidades, estupram mulheres e queimam bebês em fogueiras. Quer dizer... leis contra o aborto... ligadas ao infanticídio? Não seria exatamente o contrário? Afinal, não é o incentivo à cultura do aborto que está mais relacionado ao sacrifício de bebês? É evidente que sim. Qualquer pessoa capaz de verificar que 1+1=2 percebe claramente isso. Mas o colunista do Yahoo prefere enxergar o inverso da realidade.

   Outro exemplo: segundo o colunista, pelo fato de o conservador desejar que se libere o porte de armas à população civil, isso provaria como ele está mais próximo da conduta do bandido agressivo que quer apenas sair por aí assaltando, estuprando e matando. Quer dizer... ai minhas bolas... como se não fosse óbvio o bastante que a intenção de se liberarem as armas é a de justamente possibilitar alguma forma de defesa por parte do cidadão comum contra o bandido que, esse sim, DIFERENTE DO CIDADÃO COMUM, é quem costuma assaltar, estuprar e matar, e que jamais precisou de liberação de armas para adquirir a sua por meios ilegais. De modo que, mais uma vez, fica claro que quem deseja o porte legal de armas pensa apenas em coibir o bandido selvagem, não em praticar crimes hediondos como esse; enquanto quem vai contra essa medida é que está na verdade facilitando a vida desses mesmos bandidos, cada vez mais violentos ante a passividade de suas vítimas (no fundo, todos sabem como esquerdista adora um bandidinho, parecendo até mesmo se identificar visceralmente com essa raça verminal). Mas para o fulano esquerdista que escreveu a coluna carrolliana, parece mais fácil inverter a realidade e afirmar o oposto do que nos diz a lógica mais simples e ordinária.

   Depois, porque o conservador estaria querendo barrar as aleatórias demarcações indígenas de terra, isso mostraria como ele é “genocida”. Quer dizer, para o colunista, o índio deve realmente representar o tipo mais civilizado, já que enterra vivas suas crianças deficientes, esfola seus jovens em rituais de iniciação, aplica penas capitais a mulheres que transgridem pequenas convenções supersticiosas... e o homem branco deve ser, assim, o mais primitivo, mais próximo do “bandido itinerante”, bárbaro, violento, uma vez que elaborou os códigos mais avançados da nossa civilização e construiu os sistemas de ordem pública mais eficientes e sensatos, inclusive proporcionando maior liberdade a todos (de fato, uma liberdade que as mulheres jamais sonhariam em ter nessas tribos indígenas). Sim, tudo isso faz um enorme sentido para o zé esquerdista. Por isso temos que ver o índio como superior ao homem branco e nos sujeitar aos seus caprichos de “bandido estacionário” para, quem sabe, levar algum progresso à nossa sociedade bárbara e cruel, comandada pelos “bandidos itinerantes”.


   Enfim, como vai ficando cada vez mais claro à medida que lemos textos como esse, o pensamento da esquerda é algo que revela somente a maior torpeza, a maior demência, a maior psicopatia, sendo até difícil saber se estamos a lidar com cínicos ou esquizofrênicos. É de se apostar que seja um misto de ambos, claro. De qualquer forma, isso é só mais um sinal do estado doentio em que se encontra o Brasil atualmente.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

O jogo de manipulação gnóstica no cinema - Parte I





   Em 1997, foi lançado o suspense The Game (‘Vidas em Jogo’, no Brasil), dirigido por David Fincher e protagonizado por Michael Douglas; desde então, muitos foram os que se disseram decepcionados e/ou irritados com seu desfecho. Tal reação, no entanto, é compreensível, dado o fato de que a película pretendeu algo não muito usual em termos narrativos: brincar com nossa expectativa até o limite do suportável e, mais importante que isso, abordar um dos temas mais caros a uma determinada corrente esotérica infiltrada em Hollywood: o poder oculto de manipulação da realidade. A quem não notou esse detalhe fundamental só restou mesmo ficar decepcionado com os constantes “abusos” de verossimilhança ou indignado com os seguidos finais falsos e quebras de expectativa. Quem, entretanto, foi capaz de captar sua verdadeira intenção esotérica pôde apreciar uma verdadeira obra de arte, construída à perfeição e elencando-se como um dos grandes filmes do gênero, pois que brilhantemente dirigido e produzido.

   Pelo menos desde o clássico literário ‘Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister’ (1795), de Johann Wolfgang von Goethe (curiosamente nascido no mesmo dia que o diretor David Fincher: 28 de agosto), temos visto este específico tema ser abordado na ficção: a idéia de sociedades secretas que manipulam eventos mínimos da realidade para fins de determinar o destino humano (sejam em proporções históricas ou individuais). Wilhelm Meister, o protagonista do romance de Goethe, termina sua trajetória de formação pessoal descobrindo que por trás de uma série de eventos ocorridos na sua vida, atuava, de forma constante e imperceptível, um grupo de agentes camuflados pertencentes a uma tal Sociedade da Torre (uma sociedade secreta concebida de forma genérica para a estória, porém, evidente, ressoando o mesmo espírito da Maçonaria e da chamada “Mão Oculta”, cujo sinal característico está no gesto de ocultar uma das mãos no paletó, como vemos num famoso retrato do jovem Goethe e de outras diversas personalidades históricas)... sem saber, entretanto, até que ponto essa “mão oculta”, com sua influência subliminar, o teria levado a tomar as decisões que tomou durante seu percurso juvenil.




   Trazendo o foco para um contexto mais contemporâneo, me vêm à cabeça quatro filmes recentes que exploram justamente este mesmo aspecto temático: Unknown (2011), Limitless (2011), The Manchurian Candidate (2004) e Arlington's Road (1999).

   Em Unknown (Desconhecido, no Brasil), um cientista — interpretado por Liam Neesom — sofre um acidente de carro e, ao acordar do coma, depara-se com a desesperadora situação de ser dado por todos ao seu redor como desconhecido, enquanto outro sujeito toma completamente seu lugar num refinado encontro social na Alemanha; o mais sinistro é que até sua esposa mostra reconhecer o usurpador e não ele próprio como o legítimo dono de sua identidade, fato esse que o deixa profundamente perturbado e, inclusive, com dúvidas a respeito de sua própria história pessoal. 




   Após alguns reveses, o personagem de Liam compreende, no entanto, que está sendo vítima de uma conspiração, motivada pelo fato de ter ele acesso a certos círculos privilegiados da elite científica mundial. Então, completamente abandonado em Berlim, o cientista busca ajuda de um velho detetive particular nativo da cidade. Enquanto explica seu caso ao detetive, Liam comenta sobre a natureza extremamente profissional dos conspiradores: “Os responsáveis estão planejando isso há algum tempo, eles têm passaporte, cartões de crédito, fotos de família... pelo amor de deus, eu acho que isso requer preparação, não é mesmo? Eles têm conhecimento detalhado da minha pesquisa, do meu relacionamento com o professor...”, até que o detetive o interrompe: “...além do fato de que você ia passar por um acidente aleatório, que daria chance a um estranho de tomar o seu lugar... Este pessoal pode ser bom, mas não é Deus.”

   Nessa pequena linha de diálogo, encontra-se discretamente sinalizado o cerne filosófico da escola esotérica em questão: a pretensão de ser como que Deus na Terra. 

   Ao final, é revelado que o protagonista (assim como sua aparente esposa) era, na realidade, um agente secreto dessa mesma organização que o perseguia, mas que, devido aos danos cerebrais causados pelo acidente de carro, acabou assumindo como sua real identidade a do cientista (essa sim um mero disfarce preparado para ele em sua missão de se infiltrar no tal círculo de elite para roubar o projeto científico), e só por isso havia sido, então, descartado, de modo que outro agente (um de reserva; que no entanto é percebido pelo desmemoriado Liam como o “usurpador”) cumprisse a missão de que ele se esquecera após o acidente. No entanto, sem ter mais nenhuma memória certa, ou identidade definida, ou mesmo propósito na vida, o protagonista decide voltar-se contra essa mesma organização secreta (que afinal agora o perseguia para uma queima de arquivo) e acaba cumprindo, desse modo, um objetivo contrário ao que de início havia sido designado para realizar: o de salvar este mesmo projeto científico, cujo caráter revolucionário é o que justamente incomodava a tal organização secreta (“conservadora”, “reacionária”, e portanto malvada). 

   E aqui entra o elemento mais desafiador da estória, que só pode ser retido através de uma leitura sutil: a inocente taxista que, ao longo de toda a trama, ajuda o herói a se safar dos perigos é, também, uma agente disfarçada, só que de uma outra organização secreta — essa sim muito mais secreta, pois que se mantém oculta até aos próprios telespectadores —, cuja missão era justamente influenciar os mais variados eventos na trajetória do protagonista. Pois, embora não fique explícito, o final ambíguo, com o “cientista” e a “taxista” juntos, adquirindo uma identidade nova e sumindo no meio da multidão rumo a um novo objetivo, é toda a indicação necessária para que, na linguagem hollywoodiana, se confirme essa hipótese.

   Logo, temos a seguinte mensagem subliminar passada pelo filme: como dizia o detetive alemão, o pessoal da organização secreta que tentava sabotar o projeto científico é bom (no sentido de eficiente)... mas a outra organização, que atuou de forma oculta (inclusive aos próprios telespectadores) para proteger a pesquisa, e que estava assim muitos passos à frente desse primeiro grupo secreto, manipulando eventos ainda menores e mais complexos — como o “acidente” que faria o protagonista perder sua memória e então passar para o lado dela —, essa sim representa uma força divina, para a qual nada parece impossível de executar (além disso, sendo a taxista-espiã um arquétipo do sagrado feminino, que traz a redenção ao protagonista).

   The Manchurian Candidate (Sob o Domínio do Mal), de 2004, é outro filme que, à semelhança de Unknown, reflete uma disputa entre duas organizações secretas rivais nos bastidores da política. Mas enquanto Unknown só insere de forma explícita no enredo a organização secreta do mal, mantendo oculta a do bem (perceptível apenas naquela leitura sutil), The Manchurian Candidate já prefere revelar ao telespectador a existência concreta dessa segunda organização do bem (o que é feito, no entanto, só no final). 

   Aqui, temos uma trama que gira em torno de uma perversa agência governamental, que programa mentalmente um pequeno grupo de militares (aproveitando-se, claro, os diversos mitos em torno do projeto MKUltra). O objetivo de tal agência é fazer com que esses soldados, já então como civis, executem tarefas pré-determinadas, as quais, em perfeita sintonia, devem resultar na concretização de um ambicioso plano político: colocar um desses homens-cobaias como o novo presidente dos EUA, já que ele irá obedecer como marionete a todas as ordens dos comandantes ocultos. No entanto, esses indivíduos manipulados não têm consciência de nada do que se passa (como a experiência de lavagem cerebral que sofreram no passado ou mesmo as tarefas que deverão cumprir no futuro), pois memórias artificiais foram implantadas em seus subconscientes e eles só realizarão as tarefas quando personalidades alternativas forem ativadas por comandos específicos numa espécie de estado hipnótico.





   No final, porém, o protagonista (Denzel Washington), que é um desses soldados marionetes, também, como o protagonista de Unknown, acaba realizando um objetivo contrário ao que inicialmente fora programado pela agência maligna. Isso porque uma amiga completamente ocasional, que o ajudava com ares de inocência, e que de algum modo parecia até trabalhar para essa mesma agência maligna (como o próprio Denzel passa a suspeitar em algum ponto), no fim se revela uma agente secreta, só que de uma agência rival àquela, ou seja, uma do bem. Então, ela só precisou reprogramar a mente de Denzel para que, no preciso momento em que ele havia sido programado para assassinar o presidente, acabasse contudo atirando em seu colega manipulado (o recém eleito vice-presidente) que estava lá para se apropriar do posto do novo presidente após esse ser executado em pleno discurso de posse (ou seja, de acordo com uma famosa teoria da conspiração, o colega de Denzel seria o equivalente fictício do Lyndon Johnson, que de vice-presidente assumiu a posição do Kennedy após esse ser morto, o que o teria permitido retomar certos planos de guerra do governo; enquanto Denzel ficaria como o Lee Oswald da estória — embora o filme inverta o resultado final da situação, salvando ficticiamente o “Kennedy” e tendo uma vingança contra os conspiradores).

   Agora veja-se que é possível traçar uma série de elementos análogos entre esses dois filmes: 

  • o protagonista fazia parte de um plano diabólico e estava de algum modo destinado a executar uma ação perversa; 
  • no entanto, sem ao menos perceber, seu destino é influenciado por uma força invisível que o faz realizar exatamente o contrário do que estava programado para fazer;
  • essa força invisível está representada por uma organização extremamente oculta (do bem) que se adianta em relação ao outro grupo secreto do mal;
  • temos uma presença feminina que age em nome da organização secreta do bem e que está disfarçada de uma pessoa simples do povo (taxista, num caso; caixa de supermercado, no outro), de quem jamais se suspeitaria que estivesse em tal posição;
  • o plano diabólico da organização maligna consiste em levar a cabo uma “política conservadora” (num caso, sabotar um projeto científico de caráter progressista, que prejudicaria os grandes industriais; no outro, colocar no governo um novo presidente, que é sustentado pelos setores militaristas), sendo portanto a organização secreta do bem uma representante das forças políticas revolucionárias que teoricamente combateriam o jogo sujo dos conservadores;
  • o protagonista tem sua memória danificada e fica sem saber que a princípio estava servindo o mal... no entanto, influenciado pela agente da organização oculta do bem, muda de lado após uma experiência catártica de recuperação de suas lembranças obscuras (em linguagem simbólica, nesse instante ele atinge a ‘gnosis’, o conhecimento místico, e isso graças à aceitação do elemento feminino sagrado — a Eva com seu fruto proibido —, descobrindo que vivia uma ilusão no plano demiúrgico);

   Como se vê, tem-se dois filmes diferentes, mas que acabam contando praticamente a mesma estória, ou que ao menos reproduzem a mesma estrutura básica de mitologia gnóstica, com uma série de pontos em comum. Muitos outros filmes seguem este exato padrão mitológico, na maioria das vezes porém apelando a elementos sobrenaturais e puramente fantásticos. Assim, o diferencial que vemos nas obras citadas é que essas buscam trabalhar a idéia de manipulação da realidade no âmbito de um universo veraz (isto é, sem o subterfúgio de realidades alternativas, mágicas ou cyber-futuristas). Por essa razão é que a verossimilhança dos fatos narrados acaba tendo que ser forçada a uma zona crítica de nossa tolerância especulativa, levando-se em conta o realismo proposto nos filmes. Ainda assim, sendo precisamente este o objetivo — mostrar que, mesmo em nosso mundo real, concreto, as sociedades secretas possuem completo domínio da realidade — não se pode dizer que o caráter inverossímil dessas manipulações se deva a falhas do enredo; de fato, esse caráter inverossímil (mas não absurdo, mágico, sobrenatural) constitui o próprio trunfo em que tais grupos ocultos desejam se ver celebrados enquanto forças que já ultrapassaram todos os limites comuns de poder humano.

   O filme Limitless (Sem Limites), de 2011, embora não ofereça exatamente o mesmo tipo de relato sobre organizações secretas que manipulam a trajetória inteira de um personagem, flerta com este assunto em diversos pontos da trama, sobretudo no desfecho, onde é explicado como se daria a extensão de poder mental desses indivíduos tão especiais pertencentes a sociedades secretas (sendo o protagonista um símbolo dessas pessoas).

   A estória é centrada numa nova substância farmacêutica produzida clandestinamente, que acaba vazando para mãos erradas; acontece que essa substância, embora apresente sérios danos colaterais a quem a utiliza (análogos aos de uma droga como a cocaína), possui efeitos quase milagrosos, tornando-se assim objeto de forte disputa entre indivíduos do submundo da indústria e do crime. O efeito dela consiste em potencializar a capacidade cerebral de quem a ingere, de modo a tornar o indivíduo praticamente um gênio instantâneo, apto a manter-se por um tempo num estado de super concentração e inspiração, podendo assim realizar tarefas quase sobre-humanas.

   Com essa incrível habilidade, o protagonista — que a princípio é só um escritor fracassado que por acaso topa com um traficante dessa substância — se vê então com uma disposição que jamais tivera antes e, dessa forma, passa a resolver com extrema facilidade todos os problemas de sua vida cotidiana, além de aprender rapidamente a fazer coisas que exigiriam décadas de dedicação. De escrever como um brilhante literato a dirigir como um piloto profissional, de falar vários idiomas a dominar gráficos da bolsa de valores, ele acaba em pouco tempo transformando-se num bem sucedido nome do mundo financeiro... sendo daí promovido como braço direito de um big boss do universo corporativo (interpretado pelo Robert De Niro).




   Naturalmente, conflitos vêm e reviravoltas acontecem ao longo do filme... e no fim vemos o protagonista discutindo com este que foi seu patrão quando ainda trabalhava no setor financeiro. Mas agora nosso herói é um político em ascensão que tem o objetivo de se tornar presidente dos EUA, e já não quer mais nenhuma ligação com seu ex-chefe, pródigo em trabalhos sujos. Diante da recusa de seu antigo empregado em associar-se politicamente aos seus negócios obscuros, De Niro passa a chantageá-lo e inclusive ameaçá-lo de morte, mostrando que um político — mesmo um futuro presidente, ou sobretudo um futuro presidente — não tem lugar neste mundo, e não pode atuar de forma alguma, se não estiver atendendo aos interesses escusos do grande capital, já que nesse caso corre-se o risco de ter sua carreira arruinada ou mesmo sua vida destruída.

   Nesse momento, com uma postura sobremaneira confiante e serena, o protagonista põe-se a dar provas de que não tem mais por que se intimidar com as ameaças do magnata, mesmo sendo esse um sujeito de enorme poder e influência, pois agora é ele quem está numa posição de superioridade, podendo dar as cartas no jogo — isso por conta da inimaginável capacidade cerebral adquirida ao longo dos anos de rápida evolução da sua sinapses neurais. “A van baterá na traseira do táxi... o motorista está distraído, falando no celular a cinqüenta por hora, vinte metros para frear; ele não tem espaço...”, para o que, sem entender o brusco e aparentemente despropositado comentário, De Niro pergunta: “que van?” Em questão de segundos uma van bate na traseira de um táxi do outro lado da rua. “Eu vejo tudo, estou cinqüenta passos a sua frente e de todo mundo. Acha que eu não tenho alguém com uma arma apontada para você agora mesmo? Como sabe se estará vivo ano que vem? Batimentos cardíacos irregulares, paredes do coração dilatadas, a válvula da aorta está reduzida, precisa trocar rápido... mas você já sabia disso, não é?”

   A habilidade de prever acontecimentos a partir de sinais mínimos do ambiente e fazer leitura fria ou diagnósticos médicos com simples toques para sentir a pulsação do enfermo, tudo isso evidencia que o protagonista atingiu agora um nível supremo de inteligência, que lhe permite compreender o mundo como uma espécie de relógio mecânico, do qual é possível enxergar todas as mínimas engrenagens em funcionamento a fim de determinar o que cada haste estará marcando a cada exato instante. Em linguagem gnóstica, o véu do mundo ilusório abriu-se como uma cortina, revelando a natureza espiritual da realidade por trás do universo grosseiro da matéria. 





   Nesse ponto, tudo é espiritualmente visto como matrizes numéricas (como entendido por Pitágoras) e nada mais é um mistério. Todas as coisas podem ser conhecidas... como no experimento mental de Laplace: “Nós podemos tomar o estado presente do universo como o efeito do seu passado e a causa do seu futuro. Um intelecto que, em dado momento, conhecesse todas as forças que dirigem a natureza e todas as posições de todos os itens dos quais a natureza é composta, se este intelecto fosse vasto o suficiente para analisar essas informações, compreenderia numa única fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do menor átomo; para tal intelecto nada seria incerto e o futuro, assim como o passado, seria presente perante seus olhos”




   Aqui não tem como não recordar o clássico Matrix, que, embora não seja o foco da nossa análise (por se tratar de uma ficção científica), mostra bem a idéia de iluminação gnóstica na cena em que Neo, após ressuscitar como um Cristo, começa a enxergar o mundo da Matrix (o plano ilusório do Demiurgo) como o que realmente é: um sistema de coordenadas virtuais, que apenas correlacionam uma infinidade de matrizes numéricas. Então os números (como códigos e símbolos esverdeados) são alegoricamente dispostos de modo a formar a visão que o Neo estaria tendo naquele momento, do corredor com os três agentes à sua frente. É porque, nesse instante, nada mais é segredo para ele, que, assim, pode agora manipular completamente a realidade através apenas da força de seu pensamento. Ele — como diz a serpente no Gênesis — tornou-se um deus, graças ao amor de Trinity (representando, obviamente, o sagrado feminino, a Eva com o seu fruto, ou a Virgem com sua divina graça).


   E para concluir a série de comparações com The Game, temos Arlington's Road (O Suspeito da Rua Arlington), de 1999. Mas essa ficará para uma segunda parte.


quarta-feira, 30 de setembro de 2015

A falsidade do jazz

   Ninguém gosta realmente de jazz. Diz-se gostar apenas para parecer cool e se sentir pertencido a uma galera, a uma panelinha descolada.

   Primeiro que jazz é coisa de quem enxerga a música como um mero objeto decorativo. O tipo põe lá para tocar na sua sala um disco do Coltrane só porque isso confere ao ambiente um certo clima, que combina com o seu abajur, com suas cortinas coloridas, com seu sofá listrado, com seus pôsteres de filmes franceses.

   Tudo bem, existem de fato aqueles 2% de fãs genuínos que conhecem a fundo as idiossincrasias sonoras do jazz, e que de algum modo parecem até catalogá-las como figuras esquemáticas de uma apreciação puramente técnica. Contudo, não se pode negar que adquirir um conhecimento especializado dessa natureza equivale a manter como hobby uma coleção de piolhos taxidermizados das mais variadas espécies das Filipinas. Quer dizer, ninguém realmente aprecia o jazz como música — pois dificilmente isso pode ser entendido como música. É mais como um banco de dados de inflexões sonoras, que poderiam ser, indiferentemente, variações de uma bexiga esvaziando ou de uma porta rangendo. E para a maioria dos “manjadores”, ouvir essas frivolidades ruidosas não é mais que um fetiche bobo, como preparar café expresso ou expor bonequinhos de acrílico numa estante.

   Ora, eu consigo cantarolar, por exemplo, a nona sinfonia de Beethoven inteira, os quatro movimentos, praticamente todas as linhas de quase todos os instrumentos — e isso por ter ouvido tantas vezes essa obra máxima da humanidade que ela já se entranhou nos meus nervos, tomando suavemente os espaços entre as sinapses do meu cérebro, como peças que se acomodam perfeitamente em seus devidos encaixes de origem (refiro-me ao maravilhoso senso de harmonia com o qual já nascemos gravado em nossa constituição física e espiritual). Agora eu quero saber quem pode dizer o mesmo de uma porcaria nonsense como Bitches Brew, mesmo tendo posto aquilo milhares de vezes para escutar. Eu mesmo só faria algo assim se me propusessem como um desafio no Caldeirão do Huck, valendo trinta mil em dinheiro — aí, quem sabe, eu decorasse as, digamos, “linhas melódicas” desse treco murmuroso, o que seria, em si, um feito bastante despropositado.

   A verdade é que ninguém dá a mínima para o jazz enquanto uma espécie de som para realmente se ouvir e apreciar, prestando atenção em cada nota, percebendo o valor exclusivo de cada nuance, dentro de um contexto maior em que todos os detalhes se fazem essenciais à obra, e cuja alteração de um só deles acabaria por prejudicar o todo. Pois o jazz é, antes de mais nada, uma simples textura sonora, plácida e indiferente em toda sua extensão, que está lá apenas para atender ao senso estético raso de uns afrescalhados fetichistas, que a absorvem pela periferia de seus inábeis e ludibriados sentidos. Quer dizer, as pessoas se preocupam mesmo é com uma maneira de transformar tal gênero desagradável num artigo de luxo, para comercializar boxes caríssimos de CDs e biografias de tipos que gostam de franzir a testa em poses líricas com seus trompetes, em fotografias monocromáticas. Jazz serve tão-somente para isto: para o sujeito se sentir de alguma forma inserido neste rol de pessoas muito bacanas, sensíveis e iluminadas; para se sentir um pouco mais por dentro do que seria — supõe ele — a “alta cultura”; e coisas assim, de uma auto-eleição grupal bajulatória e infame. É um mercado, um plano virtual, abstrato, altamente aburguesado, aquecido pelo desejo inseguro de se atingir um status de elegância numa sociedade blasé, através do consumo de produtos “refinados” e bem embrulhados para figurarem numa prateleira. Como música mesmo, como arte, como sentimento real, livre e honesto que deveria ser, o jazz não é nada, não tem qualquer valor. É mais como um chapéu em forma musicada, algo para combinar com as calças verdes de bolinhas roxas.

   Mas o pior no jazz são os solos. Numa música de verdade você percebe que os solos fluem naturalmente, mantendo uma seqüência harmônica de notas, isto é, uma linha melódica coerente, em que cada passagem confirma a anterior e antecipa a próxima. No jazz, porém, os solos são despejados aos poucos, como vômitos engasgados expelidos numa privada. Arrghhaarghddughlaghahhh.... então há uma pequena pausa (enquanto a base continua) e o solista toma fôlego para despejar mais alguns fraseados que pouca ou nenhuma ligação tem com o anterior. Uuuuurrghaaashhhlaghlaghaagruuuhr.... e lá se foi mais uma vomitada de notas dissonantes, quebradas, imprevisivelmente previsíveis. Mas espere que ainda virá mais algumas gorfadas arrítmicas — o sujeito parece estar realmente mal.

   A essa altura, um argumento que me lançariam é o de que o jazz é simplesmente ousado demais para a minha pobre mente limitada, oh sim, que o jazz é muito desafiador, que ele carrega uma lógica muito difícil, árdua, inacessível... e que o problema estaria apenas em mim, com a minha cabeça muito quadrada para absorver o incrível impacto alucinante dessa imensa loucura que é o jazz. Aham, logo eu, que estou acostumado a ouvir as peças mais intrincadas e agressivas do King Crimson, como a Larks' Tongues in Aspic, Parte I; ou improvisações endiabradas na guitarra, como a que o Jimi Hendrix executa em sua famosa performance em Woodstock; ou a estupefaciente introdução de Close to the Edge, do grupo progressivo Yes; ou os solos freaks da obscura banda fusion Viola Crayola. — Todos exemplos dos quais nenhum detalhe me escapa aos ouvidos, e que eu posso acompanhar e reproduzir integralmente na minha cabeça, nota por nota, cada vibrato, cada virada de tambor, cada mínimo deslizar de dedos pelo braço do instrumento.

   Não, sem chance, este jamais seria o motivo. Pois não é que eu ache o jazz desafiador, ousado, difícil, insano, incompreensível, bizarro, ou coisa parecida. Muito pelo contrário: eu só acho óbvio, brochante, inofensivo, vago, oco, sem forma, sem cor, sem consistência, sem potência e sem fluência. Não transmite vontade, paixão, graça, sentimento, harmonia, caos, vida, morte, porra nenhuma — pois ali sequer existe uma linha firme e coesa o suficiente para dar sustentação a esses elementos. E se há uma definição de música que eu considero das mais interessantes, é a que foi certa vez proferida pelo sábio Zé Graça (o locutor de vídeos de cassetadas do youtube): a música não pode te deixar com a biluga murcha, ela tem que te deixar com a biluga rrrrrija!



   E o jazz te deixa com a biluga murcha, com o saco tombado, com os pentelhos contraídos e com as bolas desminliguidas. Que esse gênero fique então para os que já possuem naturalmente um pendor para esses traços de impotência.



 






                             

                                   




                                      

sexta-feira, 5 de junho de 2015

O problema do gayzismo



   Não existe, ainda, um estudo conclusivo informando quais são as específicas combinações de influências — entre as quais, poderíamos citar a pré-disposição genética, o meio social e familiar de formação do indivíduo, o caráter particular que cada um desenvolve através de suas próprias decisões morais e reflexões internas — que atuariam como os verdadeiros fatores a desencadear o homossexualismo numa pessoa. 

   Contudo, o fato é que o homossexualismo se trata de um comportamento desviante da natureza humana. E aqui se deve esclarecer o seguinte: para que um comportamento seja tido como contrário à natureza, esse não deve ser determinado pela simples impossibilidade de ocorrer, caso contrário teríamos de aceitar como naturais as mais torpes práticas humanas verificadas na sociedade, como o estupro, a pedofilia, a necrofilia, o suicídio, a auto-flagelação etc., sem jamais oferecer qualquer oposição a elas, pois todas fazem parte do repertório possível de práticas humanas, ou seja, podem de fato ocorrer (obs.: não estou aqui equiparando a gravidade de qualquer um desses desvios, e sim mostrando que, do ponto de vista puramente lógico-discursivo, o argumento de que o homossexualismo é natural porque sempre existiu é de uma extrema imbecilidade e acaba até abrindo precedente para aceitarmos os crimes mais hediondos, os quais também sempre existiram). Assim, quando se diz que o homossexualismo é um desvio da natureza humana é evidente — é óbvio, é ululante! — que a afirmação não se deve à impossibilidade de esse comportamento ocorrer (pois, afinal, se esse fosse o caso, ninguém estaria preocupado com isso, não é?), e sim à razão de que o homossexualismo contraria uma tendência comportamental que todos podem entender como naturalmente benéfica à vida, que é a atração biológica entre indivíduos de gêneros sexuais opostos com a finalidade de reprodução e, assim, perpetuação da espécie (além do prazer gerado no processo, que apenas confirma uma natureza sadia). Portanto, o termo ‘natural’, aqui, é empregado no mesmo sentido de normal e saudável, por atender a uma norma que favorece a vida e, por conseguinte, a natureza enquanto uma coisa boa, agradável, mas também funcional e necessária.

   Um outro argumento, também bastante utilizado por gayzistas a fim de apontar uma suposta injustiça na crítica feita a eles, é de que o homossexual, diferente do ladrão ou do estuprador, não estaria interferindo diretamente na vida de ninguém, e que ele nada mais faria que manter relações sexuais com outro(s) indivíduo(s) interessado(s) e de pleno acordo com uma simples prática sexual, sem a intenção, assim, de incomodar ou ofender qualquer pessoa que seja. Mas será que esse argumento basta para justificar como injusta uma crítica que, diferente do que faz crer uma certa propaganda insistentemente martelada na cabeça de todos, jamais teve como real objetivo disseminar ódio, atos persecutórios ou desejos de exclusão de qualquer indivíduo pelo único e simples motivo de esse apresentar um desvio (já que afinal todo mundo está sujeito a apresentar alguma espécie de desvio); uma crítica que na verdade busca tão somente ater–se a um aspecto do comportamento humano tomado como um traço desfavorável ao instinto vital de perpetuação da vida? 

   E será mesmo que esses gayzistas não interferem na vida de ninguém? Pois, como se percebe, diariamente somos bombardeados com uma exposição maciça de uma determinada cultura atrelada ao homossexualismo — na qual orbita um conjunto próprio e bem conhecido de símbolos, valores, práticas, cacoetes, trejeitos, reações etc. — que constitui, dessa forma, razão suficiente para entendermos o fenômeno do gayzismo (mais do que o homossexualismo em si) não apenas como uma prática sexual privada, mas como um tipo de influência no âmbito direto da sociedade, visto que toda manifestação cultural implica, por definição, em um padrão de comportamento que engloba uma atmosfera social. Portanto o que está em jogo é muito mais do que uma prática que começa e termina no relacionamento afetivo entre indivíduos homossexuais isolados entre quatro paredes; o que está realmente em jogo é um movimento que tenta impor um certo tipo de visão à sociedade como um todo; portanto, é óbvio, interferindo na vida alheia.

   Pois é muito importante salientar que a crítica aqui se passa em dois níveis, ambos bem justificados:

   1-) O problema do homossexualismo enquanto um simples traço de comportamento humano contrário à natureza, ou seja, prejudicial ao instinto de preservação da vida, e que, assim, se pode dizer que se trata de uma anomalia sexual. Perceba-se que não há aqui nenhuma intenção de perseguir ninguém, nem de reverter o comportamento de ninguém (embora, se esse é o desejo do indivíduo, então ele deve ter todo o direito a isso). Aqui só estamos discutindo um aspecto estritamente técnico de uma questão, procurando mostrar um problema aliás um tanto óbvio.

   2-) O problema do gayzismo, isto é, da visão ideológica que busca impor À SOCIEDADE (portanto interferindo no espaço coletivo, público) a idéia de que o homossexualismo não é um traço desviante, e que por isso ele deve ser não só tolerado, mas admitido como um comportamento padrão, às vezes até desejável. É evidente que, nesse caso, estamos lidando com um tipo de problema que ressoa no âmbito de toda a sociedade, chegando até às instâncias governamentais, uma vez que se liga a interesses de uma gama de setores degenerados, sejam partidos corruptos de esquerda, programas políticos oportunistas, organizações criminosas etc. Isso tudo, é claro, fatalmente irá se refletir de modo pernicioso no tipo de ambiente cultural e político em que vivemos. 


   E, afinal, se temos uma sociedade constituída por pessoas incapazes de admitir alguns fatos simples da natureza e da realidade que compõe sua própria estrutura básica de formação humana (no caso, o fato de que o homossexualismo consiste numa mera anomalia sexual), seja  devido aos impulsos mais baixos de suas necessidades libidinosas que não podem sequer ser questionadas, seja devido ao receio covarde de serem enquadradas em estereótipos antipáticos e terem assim seu acesso barrado em determinadas rodas sociais mais “popularescas” e “despojadas”, então essas pessoas pusilânimes estão fadadas a contemplar, mais cedo ou mais tarde, a destruição de sua própria sociedade, ficando à mercê de governos autoritários que, ironicamente, só as terão conduzido como massa de manobra para logo em seguida descartá-las como papel higiênico usado.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Análise do artigo de Sherry B. Ortner, ‘Is Female to Male as Nature is to Culture?’ - Excerto






   “Uma segunda dimensão, intimamente relacionada com essa, parece ser a relativa subjetividade vs. relativa objetividade: Chodorow cita o estudo de Carlson (1971), o qual conclui que 'machos representam experiências de si, de outros, do espaço e do tempo por meios individualistas, objetivos e distanciados, enquanto as fêmeas representam experiências por meios relativamente interpessoais, subjetivos e imediatos'. Embora esse e outros estudos tenham sido feitos em sociedades ocidentais, Chodorow vê seus achados sobre as diferenças entre personalidade de macho e de fêmea como 'diferenças gerais e quase universais' — a grosso modo, homens são mais objetivos e inclinados a se relacionar em termos de categorias relativamente abstratas, e mulheres são mais subjetivas e inclinadas a se relacionar em termos de fenômenos relativamente concretos.”


   Antes de tudo, é necessário esclarecer que estas palavras, ‘individualista’, ‘objetivo’, ‘interpessoal’ e ‘subjetivo’, para que sejam aqui entendidas no sentido adotado pela autora, devem então ser decodificadas a partir do contexto por ela utilizado. Em um contexto carregado de concepções feministas (portanto esquerdistas), como é o caso, é certo que, diferente do sentido geral que se costuma empregar para essas palavras — sentido cuja origem em nosso vocabulário usual, ainda que leve a concepções também equivocadas, de qualquer forma aponta para outros caminhos semânticos —, elas estão transmitindo uma idéia muito específica e tendenciosa.

   Por exemplo, quando é dito, citando-se Chodorow e Carlson, que os homens “representam experiências por meios relativamente individualistas e objetivos” e as mulheres, “por meios interpessoais e subjetivos”, os sentidos de ‘individualista’ e ‘objetivo’, aqui, têm como intuito a atribuição de um caráter pejorativo ao homem, enquanto os sentidos de ‘interpessoal’ e ‘subjetivo’, um caráter favorável à mulher.

   Assim, de acordo com a leitura enviesada da autora, a relação que o homem estabelece com o âmbito externo (público) implica que ele seja mais frio, distante, impessoal, lidando basicamente com categorias abstratas — e por isso é mais “objetivo”. E na relação com o âmbito interno (particular), ele tende a ser mais egoísta, e por isso é “individualista” – isto é, ele não pensa tanto nas outras pessoas, mas quase somente em si mesmo, na própria individualidade.

   A mulher, em favorável contraste, teria então um caráter positivo em ambas as posições (na relação com os âmbitos externo e interno, ou seja, tanto no público quanto no particular) — pois note-se que, nesse ponto, uma das preocupações sutis da autora é, na verdade, ignorar sorrateiramente a própria simetria que ela havia considerado, de homem-público-externo vs. mulher-particular-interno, e já mostrar que a mulher é superior até mesmo no âmbito externo, o que nessa nova relação simétrica faz com que o homem também adquira uma dimensão interna, só que igualmente inferiorizada. Assim, na relação com o âmbito externo (público), a visão da mulher é interpessoal, pois de maneira distinta do homem — que é individualista —, ela tem maior consideração pelas outras pessoas, ou seja, é mais generosa. E na relação com o âmbito interno (particular), é mais subjetiva, já que diferentemente do homem — que é mais objetivo —, ela não encara as coisas, as pessoas e os sentimentos em termos distanciados de categorias abstratas, frias e impessoais, mas por um vínculo próximo e direto estabelecido a partir de si própria, enquanto sujeito concreto, real, caloroso, afetuoso e meigo.

   *[note-se, também, que à negativa relação masculina com o âmbito externo (a objetividade na esfera pública) se contrapõe a positiva relação feminina com o âmbito interno (a subjetividade na esfera particular); e à negativa relação masculina com o âmbito interno (o individualismo na esfera particular) se contrapõe a positiva relação feminina com o âmbito externo (a visão interpessoal na esfera pública). Esse foi, aparentemente, o artifício encontrado pela autora — evocando os estudos de Chodorow e de Carlson — a fim de provar sua tese; e embora a relação simétrica seja em parte desrespeitada — pois temos inversões entre as comparações dos termos —, o fato de as inversões ocorrerem simetricamente nos dois casos, de forma permutada, a torna relativamente aceitável, ou ao menos possível de ser analisada.]

   Vê-se, portanto, que nesse sutil jogo de palavras o que se tem, de maneira meio camuflada, é a intenção de caracterizar o homem negativamente, e a mulher positivamente. Contudo, é possível também abstrair dessas palavras escolhidas, e da compreensão sugerida na leitura delas feita nesse enquadramento específico, um sentido mais amplo e geral — no qual aliás a própria autora precisou se fixar antes de empreender a sobreposição ideológica do pretendido sentido feminista —, e que, assim, fornecerá uma idéia um pouco mais clara e isenta acerca das razões para que o homem seja, em geral, considerado o gênero “objetivo e individualista”, e a mulher o gênero “subjetivo e interpessoal”.

   Agora podemos interpretar o sentido de objetividade como uma disposição para manter a atenção no objeto, isto é, no outro; e, do mesmo modo, subjetividade como uma disposição para manter a atenção no “sujeito”, ou melhor, em si mesmo enquanto ‘objeto subjetivado’ (pois dentro deste fenômeno, que já é a princípio de objetivação, esse “sujeito” consiste muito mais no objeto do outro). Assim, é possível compreender por que o homem é mais objetivo e a mulher mais subjetiva. Ora, o homem, sendo mais seguro de quem é, daquilo que representa seu próprio ‘sujeito’, atenta-se muito mais ao objeto (o objetivo), já que atingi-lo é o que garantirá seu sucesso. Enquanto isso, a mulher, sendo ela própria este objeto/objetivo da existência, deve colocar uma atenção maior em si mesma, com o intuito de se tornar atrativa ao homem, pois seu sucesso não está tanto em alcançar algo, mas em ser alcançada pelo outro (no caso, pelo macho).

   Além disso, como propõe o texto de Ortner, o homem seria mais “individualista”, enquanto a mulher seria mais “interpessoalista” — ou, em um termo menos eufemístico, “coletivista”. Pois o homem, sendo o sujeito da existência, é, desse modo, aquele que busca tomar para si o objeto; enquanto a mulher, sendo o próprio objeto da existência, é quem, nessa relação, acaba tendo que ceder e se doar mais (em vez de se impor e conquistar, como prefere o homem). Isso se reflete no caráter de ambos: o homem é mais individualista, nesse sentido, pois costuma considerar antes a própria situação; já a mulher, em compensação, costuma considerar primeiro o outro — e isso faz com que ela seja mais “coletivista”, isto é, mais preocupada com a situação alheia (o “coletivo”).

   Desse modo, vemos que o caráter “individualista e objetivo” do homem, assim como o caráter “interpessoal e subjetivo” da mulher, pouquíssimo têm a ver com o sentido simplório de “frieza” vs. “calor” (menos ainda de “mediado” vs. “imediato”, como fica provado na outra sessão) no trato com as coisas, sentimentos e pessoas, mas com o sentido de função exercida no quadro maior de interação da existência humana (refletindo a própria existência cósmica como um todo). 

   O homem é “individualista” não porque seja necessariamente mais egoísta, mesquinho ou ganancioso, mas pelo fato de que manter em si o ponto de partida dos acontecimentos constitui uma das funções primárias da realidade, e uma das condições básicas da vida. E é objetivo não porque tenda a se relacionar de modo friamente distanciado e abstrativo, mas porque cercar um objeto e ter uma abertura maior da visão também se liga a um aspecto primordial do universo (o qual se identifica com o infinito expandido, que engloba em vez de ser englobado).

   Já em se tratando da mulher, podemos dizer que ela é “subjetiva” não porque encare as relações de modo mais concreto, pessoal, caloroso, mas pelo fato de que estar cercada por algo maior e ter uma percepção mais reduzida, direcionada ao âmbito interno e às proximidades de si, constitui um aspecto mais particularizado e comprimido do universo, e uma das funções secundárias da existência, da vida — a função que é, pois, do objeto, o qual em sua própria perspectiva pode se converter em sujeito (ou, como sugeri, em ‘objeto subjetivado’); pelo que também se explica o fato de aquilo que é ‘subjetivo’ aparecer sempre, na nossa habitual linguagem, como mera reação ao que é ‘objetivo’, ainda que o sujeito seja mais importante que o objeto: é que, no caso de tal terminologia comumente difundida, vemos ocorrer aí uma inversão implícita do valor semântico de ambos; isto é, a objetividade, no fundo, refere-se ao sujeito (pois o sujeito é quem pode ser objetivo), e a subjetividade ao objeto (em simples reação simétrica àquele). E tem a mulher uma visão interpessoal — ou coletivista — não porque seja necessariamente mais generosa, mas porque essa se liga, também, às funções básicas do objeto: sua própria constituição física e psíquica encontra-se, afinal, posicionalmente oferecida ao outro, ao macho, ao verdadeiro sujeito da existência. 


   Em suma, a existência da mulher é uma reação necessária à existência do homem (sendo esse, afinal, o impulso de ação, o princípio afirmativo). É preciso ressaltar, também, que somente em relação a um senso moral decaído a idéia de ceder, se doar, se sacrificar e pensar primeiro no outro, é vista como superior à idéia de conquistar, se impor, se afirmar e pensar primeiro em si. A luta pela vida tem provado qual das duas disposições morais é mais relevante (e não a única necessária), de modo que inverter esse sistema de valores em favor do sacrifício, ainda que pareça poética e religiosamente “belo”, “redentor”, “nobre” — e o apelo estético-religioso a essas emoções adocicadas não passa, é claro, de sedução sentimental —, no fim apenas nos aproxima da morte (como um afeminado Jesus Cristo abatido na cruz, que é a própria morte fantasiada de vida, em imagens ambíguas e promessas ilusórias).

sábado, 21 de março de 2015

O Paradoxo do Cristianismo


Analisemos, com base nesse vídeo [do link de youtube acima, pois não foi possível postar o vídeo diretamente devido a falhas do Blogspot, o qual também tem dificultado a edição do texto], a retórica de embuste utilizada por este sujeito, Caio Fábio: é de se notar que toda sua “argumentação” apóia-se quase que unicamente em um estilo “poético” de sermão religioso, cujo poder de convencimento recai muito mais na sonora fluência das palavras do que na rigidez dos princípios lógicos em que se deve assentar um raciocínio legitimamente verídico. Pois não é à toa que, com freqüência, vemos esse tipo de retórica surgir de momentos que sugerem estados de transe, e em que se percebe por parte do orador uma inconstante oscilação entre falas mansas, sonsas e teatrais, e tons mais extasiados, eufóricos, como os de um pai de santo manifestado. Além disso, um tipo de raciocínio no qual se alardeia — com um petulante ar de satisfação no próprio erro! — o seu fundamento maior na idéia mesma de absurdo (isto é, na renúncia à lógica, à razão... pois isso que significa absurdo) jamais deveria ter a pretensão de possuir qualquer sentido de veracidade... talvez a de soar esteticamente atrativo ou curioso.

Mas vamos ao problema em si: o paradoxo do cristianismo, como se verifica em Caio Fábio. Esse pode ser posto nos seguintes termos: 

1. Se Cristo expressa apenas um espécie de salvação abstrata, metafórica, que qualquer indivíduo poderia atingir até por meio de uma simples “voz doce no coração”, “uma sabedoria sem nome nem apelido” (ou seja, sem o conhecimento específico das Escrituras — pois é a isso que Caio Fábio está se referindo no fundo, mesmo com todo o cuidado eufemístico de sua linguagem adocicada), então Jesus não pode ser considerado ‘o’ salvador, mas no máximo uma expressão — diga-se, historicamente bastante tardia e repleta de falhas — de concepções antiquíssimas e ainda melhor elaboradas por profetas, poetas e pensadores que nos legaram mensagens muito similares desde vários séculos antes de Jesus (coisas relativas a espiritualidade, amor, humildade, sacrifício etc.)

2. Se Cristo não é somente um eco dessas mensagens bonitinhas, acessíveis dentro de muitos contextos diferentes, mas a única e exclusiva via de salvação (como aliás as próprias Escrituras parecem não deixar muitas dúvidas a respeito), então não é qualquer indivíduo que pode ser salvo simplesmente ouvindo uma “voz suave no peito” ao pressentir o conteúdo simbólico do cristianismo em qualquer imagem vaga e abstrata, mas os que de fato têm acesso a essa via especificamente cristã por estarem em contato direto com a pregação do evangelho, e que, em última instância, foram realmente eleitos por Deus (ainda que num plano da eternidade) para pertencerem a uma determinada cultura em que o cristianismo está presente.

E dessa forma:

1. No primeiro caso, como vemos, Cristo torna-se um tanto dispensável, pois outras vias, talvez até mais eficazes e interessantes, já haviam sido abertas e se fariam acessíveis sem a necessidade da específica mensagem cristã. E, aliás, a própria estória de Jesus torna-se, desse modo, uma contradição, visto que o sacrifício perde todo seu sentido religioso mais profundo (e — ressalta-se — apenas por cuja aceitação, segundo os evangelhos, a salvação seria possível).

2. Mas — no segundo caso —, se não importa somente a mensagem bonitinha e as vagas imagens do coração que coincidiriam com as mensagens cristãs, e que assim poderiam surgir até na mente de um aborígene em abstrações de ideais relativos a humildade e sacrifício; se não é só isso que de fato interessa aqui, mas a existência real de Cristo como um enviado divino que traz a redenção aos crentes através de sua palavra bíblica e possibilidade de testemunho de seu sacrifício... então é evidente que esse Deus, nessa concepção rigorosa, acaba sendo um tanto exclusivista, “calvinista”, “arianista”, “nazista” etc., como propõe Caio Fábio, pois só aqueles que fossem escolhidos para terem acesso a essas palavras e testemunhos é que poderiam se salvar realmente.

É até interessante observamos com mais cuidado a tática retórica desse sujeito. Pois ele demonstra compreender o paradoxo do cristianismo, e até oferece uma explicação razoavelmente detalhada das razões pelas quais o cristianismo teria, nesse caso, um caráter exclusivista da predestinação, que só beneficiaria certos grupos circunscritos a determinados limites “geopolíticos-econômicos-históricos”, isto é, com acesso a este canal da mitologia cristã; sim, ele demonstra que entendeu mais ou menos o problema... mas se o faz, é apenas para malandrosamente dar a impressão de uma suposta superioridade de raciocínio que já teria em si a antecipação de uma resposta incrível e surpreendente a todos os críticos.

Porém, conhecer o paradoxo não é ainda respondê-lo, e se ele mostra saber da existência do paradoxo, já não é verdade que ele nos oferece qualquer resposta a isso. Pois onde estaria exatamente essa resposta? Em parte alguma de seu monólogo confuso, ziguezagueante, dramático e choramingado.

Afinal, o que esse sujeito faz se não reentrar no mesmo paradoxo, contrastando, na sua dialética maluca, uma porção de antíteses conflitantes, de discursos fragmentados e inconclusivos, que no fim só podem mesmo resultar na “síntese do absurdo”?

Senão, vejamos. Em um momento, Calvino — que, nas palavras de Caio Fábio, era um “coitado do século XVI” que, estritamente pelo período histórico em que viveu, não poderia pensar melhor que alguém do nosso século — estava, assim, desautorizado a afirmar certas coisas em questões teológicas ou filosóficas (como, no caso, a de predestinação), pois lhe faltaria o devido acúmulo de saberes (desses meros quatro séculos que se seguiram) que, só desse modo, então, lhe permitiria a correta hermenêutica das escrituras sagradas; a seguir, nesse seu mesmo discurso — que aliás seria facilmente repreendido como evolucionista, historicista e relativista pelos seus colegas cristãos mais ortodoxos (sim, esse senhor, aos olhos de um católico, por exemplo, não passa de um maldito herege, alinhado com o diabo, condenado às chamas infernais) —, a censura de Caio Fábio recai agora sobre o “argumentolinho que ainda faz parte da linearidade temporal de Cronos”, o qual — quão gozado e irônico! — deixa de considerar justamente a simultaneidade de todos os eventos do universo em Deus, e que, por essa razão mesmo, conferiria a certos conhecimentos um caráter de atemporalidade, assim independentes de evolução histórica, apenas por serem revelados através de um canal divino a certos indivíduos espiritualmente, ou intelectualmente, agraciados... o que seria, pois, o caso não só de muitos profetas e teólogos ilustres do cristianismo, mas também do próprio Calvino, criticado minutos antes com base em argumentos opostos, ou seja, evolucionistas, historicistas e relativistas! (Pois é certo que negar esse aspecto teológico significa o mesmo que riscar centenas de páginas da Bíblia, a qual se sustenta sobretudo nessas noções de profecias e revelações incontestáveis de milênios passados... inclusive para justificar a estória de nosso amigo Jesus).

E conforme a dialética do absurdo prossegue na boca inflamada de Caio Fábio, e também nos seus olhinhos meio fechados vislumbrando o além das nuvens douradas, no seu cajado místico que só falta virar uma serpente, e na musiquinha new age ao fundo, com o tom da pregação tornando-se cada vez mais teatralizado, choroso, ambíguo, como o de um louco batendo conhecimentos pseudo-eruditos no liqüidificador de sua esquizofrenia, as antíteses chocam-se ainda mais, revelando-se os contrastes ainda mais gritantes das contradições, e evidenciando toda a loucura desse discurso... até que em um segundo o vemos condenar veementemente a idéia de predestinação (sempre com o uso de adjetivos que denotam sua clara antipatia por certos grupos, como “arianos”, “gregos”, “aristotélicos”) e, no segundo imediatamente seguinte, o vemos, já totalmente despirocado, entrando em parafuso, no curto-circuito de suas antíteses alucinantes, jogar então os braços para o alto, em pura redenção epifânica, agradecendo por ser um desses sortudos predestinados por Deus, pois que, afinal, ele teria recebido a maravilhosa graça divina de estar no “livro da vida”, já que aceitou Cristo e por isso encontra-se já, como bom cristão, na verdade plena... ainda que o conhecimento acerca dessa graça, dessa sorte gratuita, dessa predestinação divina, não possa ser assimilado pela limitada razão humana... apenas ostentado pela inflexível convicção cristã (e, também, como se Calvino tivesse por algum momento tentado justificar suas idéias de predestinação com base em um conhecimento superior de todos os mistérios divinos, em um escrutínio infinito da razão suprema de Deus, e não apenas as afirmado como simples fatos a serem humildemente acatadas e agradecidas por lhe chegarem ao frágil e limitado intelecto humano).

(Obs.: Caio Fábio também parece ter uma certa dificuldade de entender que uma coisa ser “pré-destinada” não significa que ela esteja submetida aos efeitos do tempo, mas exatamente que ela transcende o próprio tempo, estando assim com seu destino traçado no mesmo plano de simultaneidade total e absoluta a que ele se refere quando se põe a criticar a idéia de predestinação apoiando-se, contudo, na idéia de eternidade divina — portanto ele só está o tempo todo confirmando o mesmo conceito de predestinação, embora trocando os termos numa salada bem temperada de poesia e chororô pseudo-filosófico...)

Por fim, analisemos apenas a questão que ele coloca sobre Calvino.

Ora, o que Calvino fez, utilizando sua mente “grega” e “aristotélica” e “linear”, foi na verdade deduzir deste inelutável impasse, implicado por tal paradoxo do cristianismo, a conclusão mais lógica e racional de que, ou o problema deveria recair sobre o primeiro caso (a natureza dispensável de Cristo) ou sobre o segundo (a natureza exclusivista de Cristo); e contudo, como bom representante da causa cristã (ou, poder-se-ia dizer, como uma espécie fiel de "secretário de Cristo"), Calvino, então, sendo minimamente pragmático neste ponto, opta pela segunda alternativa, o que, óbvio, se faz com que sua doutrina adquira um aspecto de fanatismo prepotente e segregacionista, ao menos evita que ela seja relegada a uma questão desprovida das mais altas dimensões metafísicas requeridas para que a fé cristã se firme com um autêntico sentido religioso (e não como um fetiche bobo sujeito aos caprichos humanos — o que ela é no fundo); pois, caso contrário, Cristo tornar-se-ia um elemento meramente historiológico, relativizado, mundano, junto, conseqüentemente, com o cristianismo, as igrejas e pregadores que lhe dão suporte de propagação. (E dessa postura de Calvino acaba decorrendo, ao menos em teoria, que alguns bilhões de inocentes sejam jogados no mar de fogo por simplesmente não aceitarem as palavras e testemunhos de dois mil anos atrás... mas quem liga?)

Portanto, no fim das contas vemos que Calvino utiliza seu pensamento lógico-dedutivo, “grego”, “ariano”, “aristotélico”, apenas como tentativa de salvar as aparências de uma problemática absurda, irracional, passional, e diríamos até “semítica” (pois penso aqui que nos referir a semita desse modo não deve constituir um grande problema para ninguém, já que para Caio Fábio as expressões “grego” e “ariano” podem ser utilizadas de maneira pejorativa, sem que por isso ele seja acusado de “anti-grequismo” ou “anti-arianismo”), algo que talvez sua inteligência confusa e pouco aristotélica não consiga assimilar muito bem... e a depender do que, o cristianismo talvez já tivesse, felizmente, desaparecido há muito, por assim lhe faltar um mínimo de coerência teórica para se manter como algo “sério” no plano das discussões e picuinhas demasiadamente humanas.

quinta-feira, 5 de março de 2015

O imbecil fundamentalista e a mentalidade sectária


   Tratarei agora de algo tão delicado quanto aborrecedor, embora pertinente: a mentalidade sectária do religioso fundamentalista. Afinal é preciso entender que ela, no fundo, representa o mesmo tipo de espírito messiânico, apocalíptico e revolucionário que, igualmente, move o nosso típico esquerdista enfezado, o qual também rejeita este “mundo perverso e decadente” e vive apenas à espera ou em busca do “outro mundo, maravilhoso e perfeito”.

   Assim, essa mentalidade fundamentalista também encontra-se normalmente armada do seguinte dispositivo psicológico de defesa:

   Primeiro ela projeta em um passado mais ou menos remoto (por exemplo, uma certa cristandade medieval onde todos viveriam absolutamente felizes e resignados “em cristo”, o que seria então a versão religiosa do ‘bon sauvage’ de Rousseau, ou do comunismo primitivo de Marx, ou da sociedade de Thule dos nazistas) uma realidade civilizacional quase inteiramente apartada dos eventos reais que compõem um quadro natural de sucessão histórica, com diversos outros complexos civilizacionais inter-relacionados. Desse modo, essa comunidade utópica do passado estaria também desligada de uma dinâmica social verídica, não funcionando mais de acordo com os mecanismos básicos de evolução histórica, como presentes em quaisquer sociedades e civilizações factuais, de qualquer tempo e região do planeta.

   Em seguida, ao “se dar conta” (numa tremenda revelação epifânica, redentora, gnóstica) de que o nosso mundo atual, verdadeiro, empiricamente verificável, encontra-se de fato envolvido até a cintura em um grande processo histórico de forças estranhas a esse seu passado utópico e simplista (que é simplista porque é fictício, e por isso é que não sofreria qualquer influência dessas forças), parece-lhe tremendamente reveladora esta idéia de que uma diabólica trama conspiratória se faz presente no globo, pondo abaixo aquele seu estático mundo de outrora, onde todas as instituições eram constantemente respeitadas por todos e sua bela comunidade jamais se subordinaria a qualquer interesse “estranho” (de grupos internacionais, sociedades secretas, povos estrangeiros, seitas satânicas, e o que mais que possa amedrontá-lo).

   Quer dizer, como se o mundo, que estaria seguindo um certo traçado ideal e perfeito até este momento, de repente sofresse uma ruptura drástica em seus próprios padrões de progressão histórica, saindo então daquela luz divina de antes para cair nas trevas demoníacas de hoje... e não como se apenas a sua percepção é que estivesse desajustada do mundo real, produzindo imaginariamente essa ruptura sem sentido entre um “passado glorioso” e um “presente amaldiçoado”.

   Por exemplo, o típico católico fundamentalista crê mesmo que hoje a maçonaria estaria dominando todas as instâncias políticas e midiáticas da Terra, e que estaria em curso um terrível plano de dominação global das elites anti-cristãs, cujo intuito maior — e cuja conseqüência mais devastadora! — seria a destruição completa de sua tão bonita igrejinha (e claro que essa seria a conseqüência mais devastadora, para ele, já que sua igreja só pode ser o centro de todo o seu mundinho, assim como seu umbigo cristão deve ser o centro de todo o universo).

   O que no entanto ele tem uma certa dificuldade de perceber é que essas “satânicas forças conspiratórias” que hoje se observam em curso SÃO AS MESMAS que, lá atrás, foram responsáveis pela própria criação de sua mesma igrejinha católica, também toda infiltrada desde o princípio por uma série de elementos misticistas, ocultistas, ou comunistóides e fascistóides — e, sim, com o mesmo projeto de dominação imperialista que prometia a paz universal em troca da conversão de todos a um determinado sistema de crença e organização social.

   Mas ô católico burro, pelo amor de jeová (se é que há nessa criatura um pingo de amor e sensatez), entenda de uma vez por todas: não existe nada de místico, puro ou sacrossanto nessa sua mundana instituição. Ela pode ter sido tão perversa, cínica e metida em projetos de dominação, em esquemas de espionagem, e enrolada em ocultismos e misticismos baratos (como por exemplo a idéia de um sujeito que nasce de um útero fecundado espontaneamente e, após sua morte, levanta da tumba que nem o Conde Drácula) quanto no caso da maçonaria atualmente — e, ainda assim, ela pode ter representado ao seu tempo uma coisa tão necessária, útil e em diversos pontos benigna quanto representa hoje a maçonaria, na medida em que ambas se encontram inseridas em um certo processo histórico natural de uma sociedade.

   Assim, o que deveria nos interessar realmente é o entendimento de que, por trás deste variado conjunto de forças históricas, que se revestem ou se moldam em torno de certos agentes institucionais — como a nação x ou y, a religião x ou y, a igreja x ou y, a sociedade secreta x ou y —, deve haver um parâmetro mais sólido e lógico, pelo qual pessoas de inteligência superior podem então interpretar de maneira friamente analítica a dinâmica toda desse processo, a fim de chegar a um veredicto mais realista da situação geral do mundo.

   Um tipo como Marx estava certamente interessado nisso; suas teorias se baseiam nessa perspectiva (e eu, como autêntico conservador, não preciso dizer que ele estava errado — mas estava errado não por querer partir de uma perspectiva realista, e sim por uma série de conclusões equivocadas que se acham no meio de seus estudos e divagações insanas; do mesmo modo que teorias da evolução podem estar erradas, sem no entanto invalidar a perspectiva da evolução como teoria explicativa de um certo processo natural, pois equívocos também podem residir em aspectos pontuais e não somente na abordagem como um todo). Explicado o óbvio, é preciso dizer, além disso, que não só Marx estava interessado em explicar a dinâmica política, social e econômica do mundo: muitos pensadores, antes de Marx, durante a época de Marx, e depois de Marx, já caminhavam nesse sentido... e por quê? Porque, ora, isso é o natural em termos de desenvolvimento do pensamento humano!

  É certo que, munido mais uma vez daquele seu dispositivo infantil e mongolóide de defesa, o fundamentalista tentará aqui atribuir todo o pensamento moderno a alguma coisa satânica, colocando tudo no mesmo balaio de perversões modernas contra seu coitadíssimo e oprimidinho cristianismo, como se tudo que houvesse na face da terra partisse sempre da mesma trama maligna do Anti-Cristo que deseja somente destruir suas supremas e incontestáveis verdades... verdades essas que, por uma determinação divina um tanto suspeita, além de serem extremamente fantasiosas e absolutamente improváveis, estariam circunscritas a um único ponto da história, em posse de um único povo, de uma única cultura: A SUA PRÓPRIA, EVIDENTEMENTE! — e o mesmo se aplica ao judaísmo no caso dos judeus, ao islamismo no caso dos muçulmanos, e assim por diante: todos sempre enxergando a si mesmos como os amabilíssimos protagonistas de um tenebroso enredo conspiratório (onde a crença no saci-pererê só mostra o quão “aberto” se está ao milagre e àquele singelo sentimento de fé no impossível, enquanto a crença no curupira só pode ser uma mentira deslavada, irracional, demoníaca, ainda mais se ela estiver competindo com o saci como um símbolo grupal de culto).

   E veja como esse dispositivo de defesa é muito útil ao religioso fundamentalista, pois dessa forma ele consegue, na sua cabecinha de melão, jogar no mesmo saco de idéias as que foram propostas por Marx e as que foram propostas por quaisquer outros pensadores modernos, já que todas elas estariam igualmente conspirando para o mesmo troço perverso que domina este mundo (exceto os seus troços particulares, pois, é claro, esses seriam a exceção das exceções), e todas ligadas à mesma rede maldita em que se acham atados o cientificismo, o ateísmo, o feminismo, o gayzismo, o veganismo etc. Já o fato de que esse católico bobo consegue muito bem separar a ‘teologia da libertação’ (uma vertente comunista do catolicismo) e seu novo Papa esquerdista da sua doutrina pura e sacrossanta, sem necessariamente considerar a inegável unidade católica que há entre essas coisas todas (pois o esquerdismo só estaria presente na teologia da libertação e no atual Papa xarope da Argentina), pelo visto não lhe permite adotar o mesmo critério elementar que, da mesma forma, poderia muito bem separar Marx de qualquer outro pensador moderno, os quais, apesar de compartilharem da unidade moderna, não necessariamente compartilham de uma mesma unidade esquerdista, ou feminista, ou gayzista, ou ateísta, ou simplesmente “diabólica e perversa”.

   Mas o fato é que esse religioso fundamentalista está impedido desse tipo de abstração elementar pois o que lhe interessa jamais é a simples busca da verdade: é que ele está quase sempre e exclusivamente limitado à simples defesa de seu grupinho cute-cute, que ele crê destacado em um plano estático da história e livre de todos os processos naturais de evolução civilizacional (como se esse grupo tivesse surgido do nada e, isolado na ilha dos anjinhos, apenas devesse combater tudo ao seu redor para manter sua intocável pureza neste mundo diabólico)... ou ele simplesmente encontra-se apegado demais às suas “raízes puras familiares”, com seus estilosos brasões e santinhos enfeitando a sala e receitinhas da vovó, ou, enfim, ao que quer que o ligue nostalgicamente a esse passado ideal, de uma cristandade mágica, imbuída da verdade suprema e absoluta. Porém nós, um pouco menos afeitos a caprichinhos e fetiches bobos de auto-adulação grupal, sabemos bem que tudo isso não passa, no fim das contas, de um mero apego sentimentalóide ligado a um dispositivo de defesa do grupo a que fulano pertence... e mais nada! (E por isso só pode se tratar de uma fraqueza de caráter.)

   Mas voltando-se ao ponto que mais deveria nos interessar, que é entender o que realmente se passa no mundo: é preciso então compreender que, dentre estas forças históricas todas, é possível a um sujeito mais inteligente, racional, sincero, desapegado de panelinhas, encontrar um legítimo parâmetro de análise, seguro e eficiente o bastante para lhe permitir interpretar certos aspectos da dinâmica desse processo histórico, social, político e econômico, e assim chegar a uma conclusão mais realista acerca da situação global que temos hoje. Desse modo ele pode entender que a Igreja Católica, ou a Maçonaria, ou os Estados Unidos da América, ou a União Européia, ou a Organização das Nações Unidas, ou a falida União Soviética, ou o Foro de São Paulo, representam apenas cascas de todo um jogo mais intrincado e profundo de forças geopolíticas, que por sua vez refletem apenas certos tipos de mentalidades vigentes.

   Por essa razão é que o perigo nunca está tanto numa instituição em si, mas nas forças que se encontram por trás dela num determinado momento e posicionadas de acordo com uma certa estratégia política; mais ainda, é preciso entender que por trás desses agentes não existe somente, de maneira simplória, uma força x ou y, mas um complexo emaranhado de múltiplas forças, das mais variadas naturezas, às vezes até opostas entre si, e que desse modo acabam gerando um equilíbrio (ou desequilíbrio) sutilíssimo de se captar. Em última análise, essas forças representam as mentalidades vigentes que se apoderam das instituições e grupos propriamente ditos.

   Logo, o fundamental aqui é a análise dos tipos de mentalidades vigentes (seja na sociedade como um todo, seja em certos grupos de influência), para que então possamos compreender melhor todas essas estruturas e dinâmicas históricas, políticas, sociais e econômicas. Esse deve ser o verdadeiro trabalho de um intelectual sério, comprometido com essas investigações. Por isso — e digo isto de maneira enfática e categórica — não tem como haver qualquer avanço considerável nesses assuntos caso ainda sejam mantidas essas mentalidades sectárias, de grupinhos super-protecionistas consigo próprios, como verificamos tanto entre comunistas como entre religiosos (pelo menos os que levam a sério suas fábulas idiotas, ou seja, os fundamentalistas). Um basta a todos esses imbecis.